Depois da divulgação do vídeo
sobre a Portaria 33 do CBMMG (assista aqui) recebi várias dúvidas (e
ataques rs) e algumas delas vale a pena trazer para esclarecimento mais
aprofundado.
Atenção: o que falo aqui sobre BC, vale também para brigadista florestal, salva vidas, socorristas e outros, resguardadas as devidas peculiaridades e legislações próprias.
A reprodução deste texto é livre, desde que mencionada a fonte (citar este link: https://adrianafernandesmg.blogspot.com/2018/07/portaria-33-do-cbmmg-continuacao.html)
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1) Porque o bombeiro civil é subordinado ao bombeiro militar? É possível o bombeiro civil atuar de maneira independente do bombeiro militar?
O bombeiro civil NÃO é subordinado ao bombeiro militar, isto é, o BC, enquanto trabalhador só precisa atender ao que dispõe a lei trabalhista e subordina-se a seu empregador, recebendo ordens apenas deste último. Apenas nas ocorrências em que estiverem juntos o BC e o BM, é que o militar comandará a ação (Lei federal 11.901).
Porém, o BC trabalha com uma atividade que é regulamentada pelo BM e, sim, deve seguir tudo que o BM dispõe a respeito. Tanto é assim que já seguem as ITs (Instruções Normativas). E, agora, esta atividade será controlada pelo BM (a atividade apenas).
E a atividade deve ser regulamentada e controlada pelos militares, por força da Constituição Federal. A prevenção e o combate a incêndio enquadram-se nas ações de SEGURANÇA PUBLICA, ou seja, são direcionadas à proteção do patrimônio e preservação da incolumidade das pessoas e de acordo com o art. 144 da Constituição Federal (CF) somente órgãos estatais podem cuidar disso.
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado,
direito e responsabilidade de todos, é
exercida para a preservação da ordem pública
e da incolumidade das
pessoas e do
patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I
- polícia federal;
II
- polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV
- polícias civis;
V
- polícias militares e corpos de bombeiros militares.
O parágrafo 5º deste artigo diz que os bombeiros militares terão suas atribuições definidas em lei.
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia
ostensiva e a preservação da ordem
pública; aos corpos de bombeiros
militares, além das atribuições definidas em lei,
incumbe a execução de
atividades de defesa civil.
A primeira "lei" que trata do assunto é a Constituição do Estado de Minas Gerais (CEMG), dizendo em seu art. 142, inciso II, que compete ao CBMMG a prevenção e combate a incêndio e o estabelecimento de normas a respeito.
Art. 142 – A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros
Militar, forças públicas estaduais,
são órgãos permanentes,
organizados com base na hierarquia e na
disciplina militares
e comandados, preferencialmente, por oficial da ativa do
último posto,
competindo:
...
II – ao Corpo de Bombeiros Militar, a coordenação e a execução de ações
de defesa civil,
a prevenção e combate a incêndio, perícias de incêndio,
busca e
salvamento e estabelecimento de normas relativas à segurança
das pessoas e de seus bens contra incêndio
ou qualquer tipo de
catástrofe;
Assim, respondo que o bombeiro civil não é subordinado aos militares, porém deve seguir todas as normas que eles estipularem sobre o exercício da atividade, porque assim diz a Constituição Federal e a Constituição mineira.
Exemplos: O advogado não é subordinado à OAB, mas é fiscalizado por ela e só pode exercer a profissão depois de fazer prova e ser credenciado pela referida entidade. Uma escola particular não é subordinada ao Governo, mas a oferta de Educação é função estatal; assim, a escola é controlada, fiscalizada pelo Ministério da Educação.
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2) Pode uma portaria estadual do bombeiro militar se sobrepor a uma lei federal?
Claro que não! Mas, vai depender dos assuntos tratados em cada uma e no caso que estamos discutindo a questão é um pouco mais complexa.
A lei federal 11.901 fala do trabalhador, ela não fala sobre a atividade. E somente lei federal pode tratar deste assunto: criar profissão e impor direitos e deveres ao trabalhador (obedecendo o art. 7º da CF).
A
portaria 33 do CBMMG trata do controle e fiscalização de quem vai trabalhar com
prevenção e combate a incêndio, assunto que não é mencionado na lei 11.901. Já
vimos que, por comandos constitucionais, o CBMMG tem competência para tratar
disso, então a portaria 33 é válida e não fere a lei federal.
Mas há duas exceções, A portaria 33 trata o trabalhador de prevenção e combate a incêndio como brigadista profissional; ora só a lei federal pode "dar nome" à profissão e isso já aconteceu pela 11.901; assim, a portaria não pode alterar isso e deve tratar estes profissionais como bombeiros civis, nos termos da lei federal. Além disso, a portaria 33 exige ensino de nível médio, mas só a lei federal pode determinar qual a qualificação para o trabalhador que ela menciona e ela apenas aponta que BC é profissional habilitado nos termos que ela mesmo informa em seu art. 2º: "Considera-se Bombeiro Civil aquele que, habilitado nos termos desta lei...". Porém, ela não informa qual seria esta habilitação.
Art. 2o Considera-se Bombeiro Civil aquele
que, habilitado nos termos desta Lei,
exerça, em caráter habitual,
função remunerada e exclusiva de prevenção e
combate a incêndio, como
empregado contratado diretamente por empresas
privadas ou públicas,
sociedades de economia mista, ou empresas
especializadas em
prestação de serviços de prevenção e combate a incêndio.
§ 1o (VETADO)
§ 2o
No atendimento a sinistros em que atuem, em conjunto, os Bombeiros
Civis e o Corpo
de Bombeiros Militar, a coordenação e a direção das
ações caberão,
com exclusividade e em qualquer hipótese, à corporação
militar.
Art. 3o (VETADO)
É que o artigo que falava sobre a obrigatoriedade da qualificação por meio de curso de formação e sobre a escolaridade mínima foi vetado pelo Poder Executivo (art. 3º).
Bom, se a lei não exige qualificação, qualquer um pode exercer a profissão certo? Não exatamente. É que a Associação Brasileira de Normas Técnicas, por meio da NBR 14.608 dispõe sobre a habilitação (curso) para o BC. Norma Técnica não é lei, mas na falta de lei que trate do assunto, ela deve ser seguida.
3.1 bombeiro profissional civil: Elemento
pertencente a uma empresa especializada,
ou da própria administração
do estabelecimento, com dedicação exclusiva, que
presta serviços de prevenção de incêndio e
atendimento de emergência em
edificações e eventos, e que
tenha sido aprovado no curso de formação.
E a NBR não fala em escolaridade mínima, mas determina que devem ser respeitadas as normas estaduais.
4.1.3 O currículo básico recomendado para a
qualificação do bombeiro profissional
civil está contido no anexo
A desta Norma, devendo ser respeitadas as
exigências curriculares das
legislações estaduais pertinentes.
Aqui cabem duas interpretações: A) só a lei federal poderia definir escolaridade mínima; ou B) se a NBR fala em respeitar a legislação estadual, esta pode sim definir a escolaridade mínima e, nesse caso, prevalece a portaria 33 com a exigência de ensino médio.
Por tudo isso, respondo que, no caso em questão, a portaria fala de uma coisa e a lei federal de outra, não podendo dizer que a lei 11.901 está sendo ferida pela portaria 33, exceto no que se refere à nomenclatura da profissão e à exigência de escolaridade mínima (neste caso, com ressalva).
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3) Como fica a portaria 33 em relação à Constituição que proíbe a interferência do estado nas associações civis (e muitas brigada são associações civis sem finalidade lucrativa?)
De fato, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XVIII, proíbe que o Estado interfira na criação e no funcionamento das associações.
XVIII - a criação de associações e, na forma da
lei, a de cooperativas independem de
autorização, sendo vedada
a interferência estatal em seu funcionamento;
Mas os direitos e disposições constitucionais não são absolutas, são sempre relativas, ou seja, são limitados por outros direitos e disposições da mesma constituição e por princípios jurídicos.
O mesmo art. 5º, mas agora no inciso XIII, diz que devemos seguir a lei sobre exercício de atividades profissionais.
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho,
ofício ou profissão, atendidas as
qualificações
profissionais que a lei estabelecer;
Assim, respondo que o Estado não pode interferir nas associações, porém, se essas associações disserem respeito a trabalhadores e profissões, elas devem atender às exigências estatais (legislação), sim. E a lei estadual 22.839 diz que é de competência do CBMMG o credenciamento de quem estiver relacionado às atividades de incêndio e salvamento, seja pessoa física e jurídica, dentre outros (uniforme, etc.)
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Bom, estas são as principais dúvidas. Continuem entrando em contato por email (adrifernandesbh@gmail.com).
Alerto que a reprodução deste texto sem mencionar a fonte (este link https://adrianafernandesmg.blogspot.com/2018/07/portaria-33-do-cbmmg-continuacao.html) é crime.
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Por fim, copio aqui manifestação minha nos grupos de whatsapp, após verificar o uso da classe como massa de manobra.
"Agora o papo é reto!
Tenho entrado nos grupos para compreender as insatisfações e analisar se devo mudar minha postura ou não. Eu sou a favor da Portaria 33 e os motivos, topico a topico, estão dispostos no vídeos que vcs já viram e em nenhum grupo de zap vi argumentos sólidos que me levassem a mudar meu posicionamento. Assim, continuo a favor e defendendo a portaria por todos motivos que constam no vídeo, exceto pelos 2 pontos que mencionei que ferem a lei.
Outra coisa TÃO MAIS SÉRIA QUANTO OS DEBATES SOBRE A PORTARIA: não é a portaria que obriga o credenciamento, É A LEI QUE FOI PUBLICADA EM JANEIRO. A lei, e não a portaria, em janeiro já dizia que os BCs seriam obrigados a se credenciar junto ao CBMMG que iria regulamentar o assunto e o uso do uniforme. DESDE JANEIRO. Estamos em julho. Então, vamos lá:
1) Porque ninguem lutou contra a lei que saiu em janeiro obrigando o credenciamento? Porque esperou a regulamentação se a lei já sabia que isso ia acontecer? Fiz um vídeo sobre essa lei ano passado, quando ela ainda tramitava. Alguém fez algo pra derrubar essa lei? Se não fez, porque ta fazendo agora? Me parece atitude oportunista e eleitoreira. Temos no grupo pessoas esclarecidas, donos de escolas, empresários de brigada, pré-candidatos... Vcs não viram a lei de janeiro??? Eu sei que viram! E porque se omitiram e tão fazendo tanto fuzuê agora?
2) Porque quem é contra a lei não solta um documento derrubando item a item da portaria, para esclarecer os profissionais e dar base sólida para discussão? Só leio que o BM quer acabar com BC, mas não vejo argumentos item a item da portaria. Se os BCs sequer leram a portaria, tão discutindo o que???
3) Já consultaram advogados para perguntar sobre a hierarquia entre lei federal, lei estadual, portaria? Porque pra falar de norma tem que ter formação pra isso ou consultar um profissional, caso contrário é o mesmo que eu, advogada, achar que posso usar desfibrilador só porque vi num filme.
Na verdade, são perguntas retóricas, ou seja, não espero resposta. Espero reflexão. APENAS REFLITAM: porque empresários, comandantes e pré-candidatos se omitiram até agora e, tendo 6 meses para derrubar a lei, não o fizeram, permitindo com tal omissão que o CBMMG expedisse a regulamentação detalhada? Pessoas omissas são confiáveis?
Porque essas pessoas que estão conduzindo vcs a agirem contra a portaria não intervieram junto ao sindicato para fortalecer a classe e impedir tudo isso que está acontecendo, já que são contra? Essas pessoas estão em favor da classe ou usando os BCs em proveito próprio?
É isso! Não me respondam, eu sei as respostas. Meu objetivo, depois de analisar as discussões em todos os grupos, é apenas fazê-los refletir (se é que são capazes, porque, sinceramente, tem BC que lê x e entende y, aí a gente desenha z e ele entende w...).
Apenas reflitam!"
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