A Revista Mente e Cérebro (n.194, pág. 36)
trouxe uma reportagem informando que estudos demonstram que a observação da
vida alheia é um hábito mais antigo que imaginamos.
Nossos ancestrais, na pré-história,
descobriram que conhecer o ponto fraco dos adversários era um ponto a mais na
concorrida luta pela sobrevivência.
A fofoca
A fofoca é o ato de falar sobre pessoas que
não estão presentes e é típica do ser humano. Nosso interesse na vida alheia se
desenvolveu em razão da necessidade de adquirir informações que favorecessem
nossa sobrevivência e bem estar.
Há quem diga, especificamente o antropólogo
canadense Jerome Barkow, que voltar nossa atenção para a desgraça alheia de
rivais potenciais é essencial para que possamos nos vangloriar de nossa melhor
sorte.
Na pré-história, quando as disputas com
grupos rivais eram constantes, conhecer melhor o adversário era um indicativo
de inteligência social, ou seja, se dava melhor quem tinha a habilidade de
prever e influenciar o comportamento dos outros.
Quem se interessava pela vida alheia, em geral, obtinha mais
sucesso que os demais. E foram os genes desses indivíduos que acabaram chegando
até nós.
Por isso, é tão difícil perder o hábito de
vigiar a vida dos outros, fofocar. Está no gene do ser humano.
Não temos como avaliar a veracidade destas
informações, mas não podemos negar sua coerência. Hoje em dia, ainda que não
tenhamos a necessidade de usar dados sobre potenciais adversários para sobreviver,
continuamos fazendo isso.
E não há como escapar: quem não faz fofoca em seu círculo social, acaba
fazendo-o em seu círculo familiar mais íntimo. E todos, ouso até dizer que sem
exceção, todos somos vítimas dela.
Existe algo mais instigante que alguém te
dizer que tem um “bafão” pra te contar? Eu, particularmente, paro tudo que
estiver fazendo e respondo: “Contaaaaaaaa!!!” A fofoca é sedutora! Ainda que
saibamos ser um crime moral imperdoável.
O Direito
Mas não é apenas nosso valor moral que
condena a conduta de falar da vida alheia. Juridicamente, a fofoca nos leva ao
cometimento de alguns crimes e nos obriga inclusive a indenizar, a pagar, o prejuízo material ou moral que tenhamos
causado em razão disso. É o que dizem a Constituição Federal e o Código Penal
brasileiro.
Quem nunca ouviu falar em calúnia,
difamação e injúria?
Crimes
Calunia, difamação e injúria são
crimes aos quais podemos ser levados por meio da fofoca, crimes para os quais
há pena prevista de 1 mês a 2 anos de detenção.
Quando falamos da vida de alguém, dizendo
falsamente que ele fez algo que é considerado crime, estamos cometendo uma
calúnia.
Se aquilo que dizemos que a pessoa fez não
configura crime, mas ofende a reputação da pessoa, o crime por nós cometido é a
difamação.
Mas se ofendermos a reputação da pessoa
atribuindo uma qualidade negativa, trata-se do crime de injúria.
Exemplificando:
Quando eu minto para outra pessoa que você
roubou a motocicleta do seu vizinho, estou cometendo o crime de calúnia, já que
roubo é um crime.
Quando eu digo para outra pessoa que você
sempre chega embriagado no trabalho, estou cometendo o crime de difamação, pois
embriaguez não é crime, mas ofende a sua reputação, já que não são bem vistos
aqueles que fazem uso rotineiro de álcool.
E quando eu te chamo de ladrão, safado,
imbecil, estou atribuindo a você qualidades negativas e portanto cometendo o
crime de injúria.
Se no cometimento do crime de injúria eu
agrego elementos referente à raça,
cor, sexo, origem, dentre outros, trata-se de injúria qualificada, que pode
receber pena de até 3 anos.
Mas não para por aí. O noticiário tem nos
mostrado tragédias que ocorreram em razão de fofocas que levaram à calúnia e à
difamação. Recentemente, vimos o caso de uma dona de casa, cujos vizinhos
acusaram falsamente de sequestro de crianças, levando a comunidade a linchar
covardemente a moça, que era inocente. Ela morreu de forma cruel, brutal,
deixando filhos e marido em grande sofrimento.
É um caso de calúnia com proporções
desastrosas.
Outro caso, este de difamação, pôs fim
trágico a um casamento, quando colegas de trabalho espalharam o boato de que o
marido mantinha uma relação extraconjugal com outra funcionária da empresa.
Sentindo-se humilhada e diminuída, a esposa jogou-se do prédio onde ambos
trabalhavam, tendo morte instantânea.
Nas duas situações, se o causador dos
boatos for descoberto, ainda poderá ser condenado a pagar pensão para
sobrevivência dos filhos menores das falecidas, além de uma indenização de
cunho moral pela ausência precoce daquele ente familiar.
Também caberá indenização moral no caso de
injúria, quando por meio dela, constrangemos publicamente alguém, como tem
ocorrido nos estádios de futebol, quando jogadores negros tem sido chamados de
macaco (injúria qualificada – injúria
racial).
Nem sempre quem repete e dissemina a fofoca
o faz por maldade. Muitas vezes quer proteger a si e aos seus, numa tentativa
de impedir a aproximação com aquela pessoa de quem ouviu falar coisas tão
ruins. E nessa tentativa, contribui para a calúnia e difamação, cujas
proporções e resultados são difíceis de prever.
Assim, e considerando ser inevitável
resistir à sedução da fofoca, tome cuidado. Uma coisa é desabafar de modo muito
particular e privado sobre algo que ficou sabendo a respeito de alguém.
Outra coisa é contribuir e espalhar por aí
conclusões sobre a vida das pessoas, correndo o risco de transformar uma
fofoquinha à toa em situações que podem te levar a responder judicialmente por
calúnia ou difamação e ainda ter que conviver com a culpa de ter destruído a vida
de alguém.
Muita luz para todos nós!
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