Final de agosto/15, recolhi uma cadelinha
na rua e fiquei tratando da bichinha até conseguir quem quisesse adotá-la.
Acontece que ela não gosta de ficar presa.
Sempre que saio, late e chora durante alguns minutos. Apenas alguns minutos.
Mas... Alguém reclamou. E reclamou muito. Reclamou mais do que a cadelinha
late.
Tive tanta raiva da intolerância da pessoa,
que decidi agir contra ela. Ferindo o regulamento do condomínio, a reclamona
trocou a porta de entrada por outra fora dos padrões determinados no Regimento.
Fiz vista grossa a isso durante mais de um ano. Agora, mudei de ideia. Entrei
em contato com o Síndico e exigi que a moradora fosse notificada. E na próxima
assembleia, quero o assunto em pauta, para determinar aplicação de multa
enquanto ela não voltar ao padrão determinado.
É justo! É muito justo! É justíssimo!!!
Na verdade, não! Não fui justa. Fui
vingativa. Usar o regulamento como e quando me convém não é fazer Justiça. Eu
quis me vingar! Eu sei que a lei, a norma, o regulamento deve ser
cumprido. Mas uma situação que o contrarie, se não questionada, se consolida,
se confirma no tempo e é como dar um aval
de que aceitamos aquela situação e ela não será mais rebatida.
O que é Justiça?
Tecnicamente falando, fazer Justiça é
fazer cumprir a lei.
Por acreditar que a lei, durante o processo
de sua formulação, foi editada observando-se todos os princípios jurídicos
aplicáveis, pressupomos que ela é resultado de um anseio social, da vontade do
povo.
Precisamos de leis para regular as relações
entre as pessoas, com as empresas, com o Poder Público. Precisamos de leis para
tudo. Por isso, esperamos sempre que ela atenda a todos os nossos anseios.
Eis porque se diz que a lei é a vontade do povo. Assim, fazer Justiça é cumprir a lei.
Como se faz Justiça?
E se fazer Justiça é fazer cumprir a lei,
fazer Justiça é exigir que se aplique a punição que a lei prevê e não a punição
que julgamos necessária, caso não haja previsão para tal. Afinal, a Justiça tem
que ser imparcial.
Não há que valer o que eu quero nem o que
você pretende, mas sim, o que a lei diz a respeito. Querer algo além disso,
seja lá porque motivo for, é vingança
e não Justiça.
Se a lei determina uma punição x ou uma
reparação z em contrapartida a uma conduta y, isso é o justo e necessário.
Sempre que alguém cometer uma conduta y deverá reparar nos termos z ou terá uma
punição x.
Mas não é isso que se passa no coração e na
cabeça das pessoas. Quando vemos alguém clamando por Justiça, quando vemos
pessoas levantando cartaz de "Justiça já!", o que na verdade pedem é
VINGANÇA.
Justiça é vingança?
Não nos importamos muito com o que a lei
determina, o que queremos na verdade é que a pessoa que nos causou sofrimento
ou prejuízo, sofra o mesmo tanto que
sofremos, pague além do prejuízo que levamos.
Se alguém mata outro alguém, paga 30 anos
de cadeia e é solto para tentar refazer a vida, isso não nos satisfaz. Porque
em nosso sentimento sabemos que a vítima nunca terá oportunidade de refazer a
vida, então não é "justo" que quem tirou-lhe isso, possa ter tal
oportunidade.
Danem-se os princípios penais sobre o
benefício para a sociedade acerca da recuperação do criminoso. Se alguém nos
rouba, não nos satisfazemos com a devolução de nossos pertences e a prisão do
meliante. Queremos dar-lhe uma surra daquelas, para que aprenda que não se
mexe com gente de bem.
Enfim, não nos importa o que a lei prevê
para cada caso. Nos importa vingar o mal e a dor que sofremos. Importa fazer
sofrer mal igual ou maior.
Nosso conceito
moral de Justiça é o mesmo usado para a vingança.
Porque a Justiça legal não nos satisfaz?
Alguns dias atrás um amigo perguntou
"por que temos sempre a sensação de injustiça, por que sempre fica a
sensação de que as leis são injustas?". É justamente porque clamamos
vingança quando pronunciamos Justiça. Enquanto não nos sentimos vingados, não
nos sentimos justiçados.
Mas as leis que fizeram por nós, para nós,
com o nosso aval, afastam a vingança da aplicação
do Direito.
Láááá nos primórdios da vida civilizada,
havia uma norma de conduta, o primeiro código de aplicação do Direito que se
tem notícia, o Código de Hamurabi (1780 antes de Cristo), que usava a Lei
de Talião para determinar que o causador de um mal deveria sofrer dano idêntico
ao que causou (olho por olho, dente por dente).
De lá pra cá, o Direito evoluiu muito,
afinal, foram 3.795 anos de estrada. Mas nosso coração, não. Continuamos
acreditando na vingança como melhor forma de Justiça.
Afinal, onde está o problema?
O problema são as leis, os legisladores ou
nós mesmos? Na verdade é tudo isso.
O problema somos nós que não acompanhamos o
trabalho dos legisladores que, por sua vez, sem a fiscalização do eleitor, não
têm a preocupação e o compromisso de aproximar a lei aos anseios da sociedade.
Porque isto é Justiça de verdade: regular o
comportamento das pessoas de modo a contentar a todos, atendendo aos anseios de
cada um. E nisto, falhamos todos: nós, o legislador e a lei.
Dificilmente reconhecemos no Direito a
função de regular o social em prejuízo
do pessoal. De modo geral, as pessoas buscam a satisfação pessoal e não a
satisfação coletiva, o social.
Não se quer saber o que é bom para todos,
se isso não for bom para aquele que reclama. Se não é bom pra ele, danem-se os
demais. E é com essa concepção egoísta que analisamos as leis, com a
perspectiva de que se eu não tenho razão, nada mais faz sentido.
Por isso, temos sempre a sensação de que as
leis são injustas. Porque nós somos
injustos, porque queremos tudo a nosso gosto, no nosso tempo, sendo irrelevante
o bem que a norma faz para a sociedade.
Sim, eu sei que a Justiça não tem sido justa. Eu sei que as leis têm sido
feitas para beneficiar alguns poucos. Mas também sei que há muitas leis que
visam o bem social. Também sei que a
mudança depende de nós. Sei que se eu não acompanhar o trabalho do senador, dos
deputados e do vereador em quem votei, correrei sempre o risco de viver numa
sociedade injusta.
Sem a participação popular, é impossível
aproximar a Justiça jurídica da Justiça moral. Sem a conscientização de que o
bem social deve prevalecer sobre nossos interesses particulares, nunca haverá
Justiça.
E a cadelinha tive que levar pra casa da minha mãe. Mas não foi possível doá-la. A danadinha é brava e tivemos medo de não se adaptar facilmente. Chama-se Nina!!!
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