Ela, em prantos, sempre que a amiga
telefona:
- Desde que meu irmão adoeceu o resto da
família nos abandonou. Fiquei sozinha para cuidar dele e passamos por muitas
dificuldades financeiras. Sinto-me abandonada! Fulano diz que já tem muitos
gastos com sua família. Beltrana, não tem tempo para ajudar nos cuidados. Sicrana
dá as fraldas e mais nada, como se ele não precisasse comer. E assim eu sigo,
sem vida própria, fazendo o que posso e o que não posso para dar cuidar
de meu irmão. Ninguém nos visita. Eu reclamo, mas não adianta. Passaram a me
evitar. Eu tentei fazer tudo sozinha, mas agora estou no meu limite. Não dá
mais!!!
- Sei bem pelo que você passa, escuto isso
há tanto tempo. Eles continuam sem ajudar? Já procurou um advogado?
- Até hoje, ninguém ajuda! Não
procurei advogado. Não posso me indispor com eles. Sempre que falo em tomar
providências, minha mãe, idosa, entra em pânico.
- Então, você não pode fazer nada. Tem que
aguentar sozinha mesmo, como sempre fez. E se conformar com a situação.
- Eu sei, mas está tão difícil...
Sempre, sempre, sempre que a amiga telefona
é a mesma ladainha. E a mesma inércia. A mesma falta de providências.
Todos sabem o quanto é complicado ter em
casa um idoso ou deficiente dependente de cuidados. E o quanto é doloroso não
ter apoio moral e financeiro dos demais familiares.
Para uns falta suporte na divisão de
tarefas. Para outros falta ajuda para divisão de despesas. Para muitos falta
tudo. E sobra mágoa, cansaço, indignação.
Não se estresse!
E, cá entre nós, normalmente a culpa pelo
excesso de peso que está em nossas costas é nossa mesmo. Evitamos nos indispor
com os familiares e vamos levando a vida e cuidando de quem precisa.
E quando fica impossível continuar,
explodimos. Isso dificulta qualquer diálogo, impede qualquer aproximação. Já é
difícil lidar com um familiar doente ainda temos que tolerar um cuidador
estressado?
Melhor então desde o início dividir tarefas e custos, ainda que
para tanto seja necessário percorrer caminhos que todos querem evitar: as
trilhas da Justiça. Mas antes de procurar o Judiciário, algumas coisas têm que
estar bem claras.
Tome a iniciativa!
Primeiro, não importa o motivo, sobrou pra
você. Então a iniciativa tem que ser sua, com tudo de bom e tudo de ruim que o
processo de tomada de decisões traz.
É você quem tem que decidir e arcar com todas
as consequências disso. Também pode optar por não agir, não tomar decisão
nenhuma, mas isto também traz consequências para você e seu familiar
dependente.
Só você pode pesar quais consequências conseguirá suportar: a de
agir ou a de se omitir.
Seja precavido!
Segundo, o tempo não está a seu favor.
Quanto mais demorar para decidir o que fazer, mais riscos você corre de tomar a
decisão errada, pelo cansaço, pelo desgaste, pela mágoa.
Decisões devem ser tomadas de cabeça fria,
sabendo o que está fazendo. E há ainda a prescrição, a perda de alguns direitos
por não ter agido no tempo que a lei determina.
É mais eficaz agir na prevenção de uma situação que tomar atitudes para mudá-la depois de
consolidada no tempo.
Não se desgaste!
Terceiro, não há lei, não há juiz que
ensine ou obrigue alguém a ter compaixão, respeito, amor, carinho por um
familiar. Determinadas coisas são construídas durante a vida, durante a convivência. Se elas não afloram de
maneira natural, não irão acontecer como obrigação. Feche os olhos para isto.
A falta de amor entre fulano e a mãe dele é
problema dos dois. Sei que ela também é sua mãe, então ame você a ela e cuide
da sua relação com ela.
Não se desgaste por situações que não estão sob seu controle.
Avalie as consequências!
Quarto, quando falo em consequências estou
chamando sua atenção para sua condição financeira e emocional diante das
circunstâncias e da necessidade de medir isso frente a eventuais retaliações
dos familiares, em virtude das decisões que você tomar.
Não tomar providências no sentido de
responsabilizar outras pessoas pelos cuidados e custos financeiros nos cuidados
com o familiar dependente vai te onerar muito com o passar do tempo.
Vale a pena suportar esse fardo e ter um
mínimo de convivência amigável com os parentes? Ou considera melhor dividir os
cuidados e gastos e perder certos laços com a família? Adianto que não há certo
ou errado nesta questão. Mas há resultados.
E há a possibilidade de você vir a se
arrepender da decisão tomada. Pode estar em tempo ou pode ser tarde demais.
Você precisa estar preparado para tudo. E precisa sempre ter um plano B.
Busque ajuda!
Quinto, sem ajuda profissional, suas decisões podem pesar mais que o peso real
delas. Reclame da vida, do mundo, dos parentes com seu terapeuta. Só com ele.
Tudo que você não precisa é agregar fama de reclamão. E ninguém suporta um
reclamão por muito tempo.
É desgastante estar com alguém que vive
precisando desabafar e não ver essa pessoa tomando decisões para mudar aquilo
que a incomoda. Isso vai afastar as pessoas de você ao invés de aproximá-las.
O desabafo é um instrumento potente para
nossa saúde mental. Mas não pode ser rotineiro. Deve durar apenas o tempo
necessário para amadurecimento das idéias. Todos têm seus problemas e se o seu
está pesado demais, passou da hora de fazer terapia e tomar decisões.
Eu gostaria que você lesse 3 vezes tudo que
escrevi acima, para introjetar, para não esquecer, para compreender que só depende de você mudar a situação em
que se encontra.
Veja o que diz a lei
E querendo mudar, agora você pode e deve
saber que a lei, mais especificamente os Códigos da Criança e do Adolescente,
do Idoso, o Código Civil e a Constituição Federal, determinam que os familiares
devem amparar uns aos outros, quando alguém não tiver condições de manter sua
própria sobrevivência.
Pensão Alimento não é apenas entre pais e
filhos, mas entre quaisquer parentes, dos mais próximos para os mais distantes.
Fato é que ninguém está sozinho. A solidariedade familiar é obrigatória. Se não
faz por amor, faça-se pela lei.
E além da obrigação civil de custear a
sobrevivência do familiar necessitado, há ainda a responsabilização criminal,
conforme o caso (abandono de incapaz).
Ampare o cuidador!
Outra questão que também pode ser discutida
em juízo: a remuneração do familiar que cuida, o rateio de um cuidador ou de
internação em uma entidade digna, tempo integral ou apenas parte do dia.
É comum alguém da família sair do emprego e
comprometer sua aposentadoria para se dedicar ao parente. Depois, muito tempo
depois, é que descobre o quanto esta decisão o prejudicou.
Como advogada acredito que a família deve
remunerar e custear a previdência do familiar que está se dedicando ao ente
querido.
Procure núcleos acadêmicos
Sim, você vai precisar de um advogado. Não,
advogado não é barato. Mas há serviços gratuitos em núcleos jurídicos de
faculdade. Assim como há atendimento psicológico gratuito também em faculdades.
Você vai precisar de ambos atendimentos.
Se não puder pagar, negociando os valores,
procure ONGs, grupos de apoio emocional e os núcleos já citados. Mas não
subestime o papel fundamental destes serviços para a dignidade do familiar
cuidado e do familiar que cuida dele.
Saiba como agir
Sobre as providências jurídicas, você pode
procurar primeiro o Serviço de Assistência Social de seu Município ou a
Promotoria do Idoso e do Deficiente, no Ministério Público do seu Estado.
Muitas vezes, uma boa conversa e orientação
podem colocar as pessoas nos eixos. Mesmo se não houver uma aproximação
afetiva, costuma ser suficiente para lembrar a todos da necessidade de
contribuir financeiramente.
Se nada disso ajudar, ou se preferir pular
estas etapas, você deve recorrer ao Judiciário. Mas, caso você não seja a
pessoa que necessita de cuidados, precisa ter a curatela dela para ajuizar ação em seu nome. Ou seja, se o familiar
necessitado não puder responder por si mesmo, será necessária uma ação de
interdição, para que seja nomeado um curador que irá cuidar dos interesses da
pessoa. Só aí o curador poderá exigir judicialmente o auxílio dos demais
familiares.
Aja!
Enfim, procure um advogado, diga a ele as
peculiaridades do seu caso e pergunte quais são os prováveis resultados.
E prepare-se para tomar a decisão de fazer
cumprir a solidariedade familiar imposta pela lei ou de assumir sozinho a
obrigação. E se, mesmo após conversar e desabafar com amigos e outros
familiares, se sentir perdido, procure um terapeuta. Só faz bem!
Fica a dica! Não só os pais devem amparar
os filhos, mas também os filhos devem alimentos aos pais, bem como todos os
familiares entre si.
Ciente de que ação e omissão possuem ônus e
bônus, decida o que considerar melhor para a sua saúde emocional e financeira e
a de quem você cuida.
Mas, lembre-se: é você quem deve promover
as mudanças que deseja. Ninguém vai
fazer isso por você!
Texto publicado na página do Facebook
Alzheimer – minha mãe tem.
Muita luz para todos nós!
Conhece alguém nessa situação? Conte pra gente!
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