Neto não herda de avós

- Oh, don Driana, eu queria perguntá um negósso pa sinhora. Caus qui o vô dos meus minino morreu e o pai dês recebeu herança e num deu nada pa nós. Como quiu faço pa recebê a parte que meus minino tem direito?

- Nada. Neto não é herdeiro.

- Comanssim??? Minha vizinha lá perdicasa, separada tamém, os minino dela recebero a herança do vô deles.

- O pai dos meninos, filho do falecido, ex-marido de sua vizinha, era vivo?

- Era não, senhora.

- Então, os meninos receberam a herança do pai falecido e não do avô.

- Tendi...

- Seu ex-marido é vivo.

- É, sinsinhora.

- Então ele recebeu a herança do pai dele e não tem que deixar herança pra ninguém.

- Tendi...

Mentira! Entendeu nada! Mas tem coisa também que nem adianta ficar explicando, principalmente quando se refere a dinheiro. A pessoa quer receber e ponto final. Não quer entender. Quer receber.

Sempre me perguntam quanto cabe de herança para os filhos quando o pai ou mãe deles recebe uma herança. O pai de João faleceu e ele recebeu a herança. Quanto deve repassar para seus filhos, netos do falecido? Nada! Absolutamente nada!  Neto não é herdeiro direto de avô. E herança só se distribui com a morte. Gente viva não distribui herança.

É assim:

Quando alguém morre, sua herança é dividida com seus descendentes, junto com seu cônjuge ou companheiro. Descendentes são os filhos. Apenas se os filhos tiverem falecido é que a parte deles será direcionada aos netos, aos filhos dos filhos falecidos.

Dona Maria morreu. Deixou herança. E teve 3 filhos. José, Antônio e Rosa. José é solteiro, não tem filhos. Antônio, que morreu antes de dona Maria, tem 2 filhos. Rosa também tem 2 filhos. A herança será dividia como se dona Maria tivesse 3 filhos vivos. José, Antônio e Rosa recebem então partes iguais. Mas Antonio já é falecido, aí a parte dele será dividida entre seus 2 filhos. Eles não herdam como netos, herdam como representantes de seu pai. Tanto, que Rosa também tem 2 filhos, mas estes não receberam nada. Quem tem direito é José, os 2 filhos de Antônio e Rosa.

A possibilidade de neto herdar de avô, quando os pais são vivos, só ocorre quando o falecido deixa testamento beneficiando aquele parente.

Quem recebe uma herança, se vivo estiver, não tem que repassar nada a seus filhos.

- Uai, don Driana, ma ele paga pensão...

- Sim. Deve continuar pagando. Mas herança não é igual acerto trabalhista. A pensão não incide na herança. Quem a recebe não tem obrigação de guardar nada para seus próprios filhos.

- Qué dizê intaum, que meus minino levaro ferro?

Eu falei que ela não queria entender... Só quer receber rsrsrs

- Não! Seus meninos não foram prejudicados, porque eles não têm direito nenhum. Lever ferro, isto é, ter prejuízo somente ocorre quando você tem direito a algo e perde este direito. Não é o caso.

- Só sei de ua coisa, dotôra: quandé pa beneficiá fi de pobre, as lei é dum jeito; pa beneficiá fi de rico, as lei é doutro jeito...

Nem vou insistir. A pessoa não quer entender. O vício do coitadismo, de ser a eterna vítima da vida fala mais alto.

Mas ocês que tão lendo intendero, né?! Herdeiro é filho. Somente se o filho tiver falecido é que os netos herdam no lugar dele.

Muita luz para todos nós!

Respeite o advogado criminalista!

Não é raro ouvirmos ataques à ética do advogado que defende criminosos. Chegam mesmo a dizer que quem faz defesa deste tipo de cliente é igual a ele. Será mesmo? Você, que defende tal ideia, tem a exata noção do que diz? Porque pra se meter em assunto tão complexo, você tem que saber o que é “ser criminoso”, o que é “ser advogado”, o que é “ética” e o que é “fazer uma defesa”. Para continuar defendendo seu argumento, você provavelmente vai dizer que sabe ou que, se não sabe, não importa!

Você não sabe o que diz! E importa sim saber o que está falando! E vou te demonstrar agora que além de não ter conhecimento de causa, você está errado em suas conclusões.

A Constituição Federal determina que ninguém será preso ou deverá ressarcir um dano sem o devido processo legal. Começa por aí: o princípio do devido processo legal. Ou seja, ninguém será condenado sem que tenha sido processado. E um processo, o processo legal, é: acusação, defesa, prova, sentença, recurso, acórdão, recurso, acórdão. Tem que passar por todas estas etapas para ser definitivamente condenado. Impossível ser condenado sem percorrer tal caminho. É assim: se tem acusação, tem que ter defesa; ambos tem que ter provas; só assim se tem a sentença. Somente se houver sentença é que se pode recorrer e se houver recurso tem que ter decisão (acórdão). E somente se houver acórdão, pode-se recorrer aos Tribunais Superiores e eles têm que dar a palavra final. A grosso modo falando, claro, não estou aqui dando aula para graduandos. Perceba que se não tiver um, não tem o outro. Se não tiver defesa, o processo para e não terá sentença. Se não houver sentença ou acórdão, não haverá condenação. Sem condenação, não haverá prisão ou ressarcimento de danos. Sem defesa, o criminoso não pode ser condenado e preso. É preciso que ele tenha garantido o direito de defesa, respondendo a todas as acusações que pesam sobre ele.

A defesa no processo jurídico somente pode ser feita por um profissional técnico habilitado para tal: o advogado. O criminoso tem que ter um advogado e se não tiver, o Estado paga um para ele (defensor público).

Então chegamos ao primeiro ponto: se o advogado não defender o criminoso, nunca será possível condenar o malfeitor e fazê-lo pagar pelo que fez. Não há nada de antiético, nem de imoral, nem de depreciativo em fazer a defesa de quem praticou um crime. Muito pelo contrário, é um grande serviço à sociedade, já que só assim é possível punir alguém. A falta de advogado de defesa é mais um fator que leva à tão discutida impunidade no país.

Mas não para por aí. Como falei, o assunto é complexo. É tema técnico. Não se trata de algo que se possa chegar á uma conclusão à base de mero blá blá blá, de opiniões leigas.

O segundo ponto é: quem é criminoso? O que é “ser criminoso”? O óbvio: cometeu um crime, é criminoso. Ainda que somente se possa dizer que a pessoa é criminosa depois de condenada, a gente já antecipa o julgamento e chama o “processado” (que responde a um processo) de “criminoso” (condenado pela prática de um crime).

Mas um dito criminoso pode ser um trabalhador. Pode ser uma boa pessoa. Pode sim! Se você atropela alguém e essa pessoa morre, você é um criminoso. É trabalhador, é gente boa e é criminoso.  Se você comprou um objeto sem saber a procedência e acabou por praticar a receptação, você é trabalhador, é gente boa e é criminoso. Se você responde a um processo com base na Lei Maria da Penha, você é trabalhador, não é tão gente boa quanto pensa que é e é um criminoso. Se você não paga a pensão alimento de seus filhos, você é trabalhador, não é gente boa e é um criminoso (abandono material de incapaz). Se você é o terror do bairro, vive no bar e mata sem dó quem te enche o saco, você não é trabalhador, não é gente boa e é criminoso. Se você vive de pequenos furtos, você não é trabalhador, não é gente boa e é criminoso. Não podemos colocar bandidos e criminosos no mesmo saco. Todo bandido é criminoso. Nem todo criminoso é bandido.

Criminoso, como já foi dito, é quem comete (na verdade, quem foi condenado por) um crime. Bandido é quem vive de crimes. Bandido é quem reiteradamente comete crimes. Por isso, é fácil encontrar um criminoso trabalhador. Alguém que cometeu um ato impensado num momento de fragilidade emocional ou de ira extrema. E que dificilmente fará isso de novo. O Bandido, não. Ele vive de cometer delitos, tem ficha criminal extensa, age friamente porque este é seu ofício, e é reincidente. Bandido pode até ser “gente boa”, porque tem uma lábia, um discurso muito convincente. Mas não é trabalhador. Não podemos tratar como igual um criminoso e um bandido! Um profissional que comete um erro e causa prejuízo ou a morte de alguém é criminoso, mas não é um bandido. E o que não faltam são exemplos de um e de outro.

Agora sim, ciente que para ser punido tem que se ter defesa jurídica e que apesar de bandido ser criminoso, criminoso pode não ser bandido, você pode dar sua opinião sobre a advocacia criminal.

Aliás, esta distinção entre bandido e criminoso nos ajuda também a entender o auxílio reclusão, que é pago aos beneficiários do criminoso, nunca aos beneficiários do bandido. É que o criminoso que estava trabalhando contribuía para o INSS e por isso, tem tal direito. O bandido, não. O auxílio reclusão é devido à família do criminoso, não à do bandido.

Mas e aí? Agora dá pra conversar. O que você pensa sobre advogado que defende criminoso? E o que você pensa sobre advogado que defende bandido? Acredita que seria melhor para a sociedade que advogados não defendessem criminosos e bandidos, deixando que estes fiquem sem defesa no processo?

Art. 133, da Constituição da República: o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.


Muita luz para todos nós!

Indenização por quedas em calçadas

Imagine aquele gato, fardado, forte, te elogiando. Aconteceu comigo certa vez, quando fui com uma amiga advogada resolver o problema de um cliente no Presídio de Ribeirão das Neves/MG, num final da tarde. Pois é. A gente bateu um papo legal enquanto eu aguardava atendimento. Ao ir embora, já um pouco distante, ele soltou o gracejo. Sabe o que eu fiz? Fiz a proeza de pisar em falso, cambalear e me estatelar no chão, na frente do moço. Sabe aquele tombo horroroso? Foi o caso. Ralei os joelhos e as mãos. Pense numa pessoa com vontade de morrer, de tanta vergonha. Eu! Estava de salto, atravessando a rua calçada, com pedras bastante irregulares. Não deu outra, um belo de um tombo. Antes que ele pudesse me socorrer, minha amiga, em gargalhadas, me ajudou a levantar e eu só queria ir embora dali, o mais rápido possível. Ainda não inventaram remédio pra vergonha e nos dias seguintes, eu sentia calafrios ao pensar na situação. Já as dores no corpo foram amenizadas com relaxantes musculares.

Não é raro pessoas caírem na rua. Afinal, somos distraídos e na maioria dos casos não usamos calçados adequados. Em especial, nós mulheres. Tanto os saltos quanto as rasteirinhas ou mesmo chinelos de dedo são perigosos e podem nos levar a uma queda. Além disso, muitas calçadas não são mantidas em bom estado de conservação, são irregulares e até mesmo esburacadas.

O Município é o responsável pela conservação das vias públicas. Por isso, quando alguém se machuca por um tombo em razão da má conservação da calçada, pode ser indenizado por isso. O mesmo ocorre quando um carro estraga por ter passado em um buraco. Os gastos de conserto ou troca da roda podem ser cobrados do ente responsável pela manutenção daquela via, que pode ser o Governo municipal, estadual ou federal, conforme o caso.

No dia que passei a vergonha pelo tompo, caí “de madura”, como se diz. Caí de bobeira mesmo. Bobeira de usar um calçado que não me dava segurança naquele tipo de rua. Mas e se eu tivesse caído na calçada? E se a calçada fosse irregular ou má conservada? Neste caso, de acordo com a lesão que eu pudesse ter, deveria ser indenizada. Uma indenização material, que compreende os gastos com curativos, medicamentos, tratamentos, dias sem trabalhar, etc. e uma indenização por dano moral, por ter me machucado. Claro que alguns arranhões não mereceriam tamanha atenção. Mas uma fratura, uma luxação, algo que cause dor e que impossibilite a pessoa de realizar as atividades do dia a dia, sim, receberiam destaque no que se refere ao dever de indenizar. Imagine uma sequela maior ou algo até definitivo...

Os casos mais simples, de invalidez temporária, decorrente de lesão corporal sem gravidade, podem gerar indenizações por dano moral a partir de R$ 2.000,00 (dois mil reais). Casos graves podem ser indenizados em até R$ 50.000,00. Os valores irão variar de estado para estado.

A má notícia, benzinho, é que se você for o responsável pela calçada má conservada, você pode ser obrigado a pagar esta indenização, mais os gastos que já mencionei (dano material).

Como falei antes, o Município é o responsável pela conservação de vias públicas. Porém, ele pode expedir uma lei, transferindo para o proprietário do imóvel enfrente, a responsabilidade pela conservação e manutenção da calçada. É comum inclusive, ter o IPTU aumentado ser não houver a devida manutenção. Em muitas cidades Brasil afora é assim. Ora! Se você deve cuidar da manutenção da calçada e não o faz, você é o responsável pela queda de alguém, caso ocorra. E é você quem pagará a indenização. Não é comum, mas acontece. Normalmente, as pessoas preferem processar o Município, pois é mais fácil receber a indenização de uma pessoa jurídica que de uma pessoa física. Porém, a responsabilidade é solidária. Isto significa que tanto a Prefeitura quanto o proprietário do imóvel são responsáveis. Assim, a pessoa que se machucou pode processar o Município, o proprietário que deveria ter cuidado da calçada ou os dois. Pior: pode a pessoa processar e ser indenizada pelo Município e este cobrar a indenização do proprietário do imóvel.

Assim, fique atento! Mantenha sua calçada bem conservada, havendo ou não lei que o obrigue a isso. E se tiver lei, seja mais cauteloso ainda, pois pode vir a ser responsabilizado pela queda de um pedestre.

Muita luz para todos nós!

Pensão Alimento

Um dos principais assuntos sobre o qual as pessoas mais buscam informação é a Pensão Alimento. E não é difícil saber porquê: parece que nunca houve tantas crianças geradas fora de um relacionamento estável como nos últimos tempos. E a coisa está tão séria, as mulheres são abandonadas tão cedo, que agora a lei admite até o pensionamento a partir da gravidez. É um avanço. Mas é triste...

Bom, vamos lá!

As pessoas têm a ideia de que a pensão alimento é fixada no mínimo em 30% dos rendimentos de quem deve pagar. Não é bem assim! O percentual da pensão é variável, dependendo da realidade da família, cuidadosamente analisada pelo juiz. Já vi pensão fixada em 15% sobre um salário muito alto e também vi pensão fixada em 70% do salário mínimo. É o que as partes trouxerem de provas ao processo sobre suas despesas é que vai fazer o juiz determinar o melhor percentual. E para isso será considerada as despesas com nova família, outros filhos, estudos dos pais e dos filhos, tratamentos, moradia e o que mais houver.

Quem é empregado paga a pensão sobre a remuneração, descontada na folha de pagamento. O percentual de desconto incidirá sobre os vencimentos líquidos, que é o valor bruto do salário, excluindo apenas o INSS e Imposto de Renda. É importante pedir que conste da sentença ou acordo que a pensão recaia também sobre o décimo-terceiro salário, as horas extras e as férias.

O autônomo ou desempregado paga um percentual sobre o salário mínimo. Sim, desempregado tem que alimentar os filhos! A menos que faça um acordo com a mãe/pai da criança e fique liberado do pensionamento por alguns meses, até se firmar em nova atividade. E neste caso, do desemprego, é importante saber que a pensão incide sobre o acerto de dispensa e sobre o seguro desemprego.

A pensão pode ser revista a qualquer tempo, para mais ou para menos. Se quem paga vier a ter sua condição financeira rebaixada, pode pedir diminuição da pensão. Ou se a criança vier a necessitar de maiores cuidados, que demandam maiores despesas, pode ser determinado o aumento do valor. Mas atenção: tudo deve ser provado em juízo, tanto a mudança na situação financeira, quanto a real necessidade de novos gastos. Se, por exemplo, a mãe acredita que o jovem precisa de um curso de inglês e o pai não tem condição de pagar, o juiz não determinará o aumento da pensão, porque tal curso não é essencial para a sobrevivência do menor. Bom senso é fundamental!

Mas se a pensão não for paga e o juiz não for comunicado, por meio de advogado, da impossibilidade de pagamento, a dívida será protestada em cartório e será decretada a prisão do devedor por até 90 dias (quando se referir a débito de até 3 meses de atraso). Mesmo cumprindo a pena, a dívida permanece, não é quitada. Neste caso, ou mesmo quando não for situação de prisão (cobrança acima de 3 meses de débito), bens serão penhorados. Também é possível parcelar a dívida para desconto em folha de pagamento. Mas a soma da parcela em atraso mais a pensão devida não pode ultrapassar 50% dos rendimentos líquidos do devedor.

Uma possibilidade bastante desfavorável ao devedor ou àquele que se esconde para não responder ao processo, é o fato do não pagamento da pensão poder se estender além da esfera cível e se transformar em processo penal. É que o abandono material de incapaz (não arcar com a sobrevivência de um filho) configura crime, com pena de 1 a 4 anos de detenção e multa de 1 a 10 salários mínimos. O juiz poderá requisitar ao Ministério Público que processe criminalmente o devedor de alimentos, se entender que ele esta procrastinando, ou seja, se houver indícios de que ele se esconde ou cria outras situações que venham a dificultar o andamento normal do processo ou o pagamento da pensão ou ainda a cobrança da dívida. Deu ruim, mano!

Sobre o fim do pagamento da pensão, não prevalece a ideia de que ela se encerra aos 18 anos. É o juiz quem determina quando ela cessará. Já presenciei juiz tirar pensão de jovem de 18 anos que não estudava nem trabalhava. Mas também tive um caso de um rapaz de 23 anos que trabalhava, mas que informou ao magistrado que precisava dos alimentos para complementar a mensalidade da faculdade; e foi mantida a pensão. É a situação das partes e, especialmente, a perspectiva de vida do jovem que vai determinar o momento de retirada da pensão.

E temos ainda os alimentos gravídicos. Se a mulher engravidar e não tiver apoio do pai da criança, pode requerer a pensão em juízo. Havendo provas de que aquele rapaz era sempre visto como namorado ou ficante dela, pressupõe-se que ele é o pai e será obrigado a pegar a pensão, para ajuda nos gastos relativos aos exames, consultas, enxoval. Após o nascimento da criança, feito o DNA, se ficar comprovado que ele não é o pai, a mãe da criança e o verdadeiro pai, se encontrado, deverão indenizá-lo. Mas se a moça não tiver uma história, uma convivência com alguém que possa ser considerado o possível pai, dificilmente conseguirá a pensão.

Enfim, cada caso é um caso e qualquer tentativa de prever uma fórmula padrão de determinação da obrigação de pagar os alimentos pode não corresponder à realidade.

Pra finalizar, não posso deixar de mencionar que camisinha custa bem mais barato que fraldas; filho não pode ser apenas um filho, um sonho, ele deve sempre que possível vir como fruto planejado de uma relação madura e estável; e a vinda de um filho somente vai ser vista com a devida responsabilidade, quando pais e mães souberem perceber o afloramento da sexualidade de seus filhos e orienta-los à prevenção de doenças e gravidez indesejada.

Muita luz para todos nós!

Advogado sofre... E cliente também!

Na ação social do Projeto Alô Doutora nesta semana, me deparei com uma situação bastante inusitada. Dos atendimentos que realizei, três chamaram minha atenção: uma senhora, irmã de uma advogada; outra senhora, funcionária de um escritório de advocacia; e um senhor, cliente de um excelente advogado. Todos buscando informação jurídica para seus casos.

A gente imagina que quem pode pagar um excelente advogado, quem trabalha na área ou possui o profissional na família, jamais teria necessidade de buscar informações com terceiros. Mas isso não é verdade e os motivos são os diversos possíveis. A que trabalha no escritório, tem vergonha de incomodar os patrões com suas dúvidas. O cliente do advogado particular, não entende as consequências da proposta que ele fez para solução do caso. E a irmã de uma colega se sente abandonada pela mesma.

De fato, são incontáveis os motivos que podem levar as pessoas a não conseguir estabelecer uma relação de confiança com o profissional que contrata. Algumas vezes culpa do advogado, que não é transparente e não se comunica com clareza; outras vezes culpa do cliente que não consegue exteriorizar o que pretende e o que sente. Acontece muito do advogado ter dificuldades em explicar determinadas situações para o cliente. E também é recorrente o cliente não conseguir entender o que o nós falamos.

Fiquei refletindo sobre isso e lembrei de algumas situações tragicômicas, pelas quais passei no exercício da advocacia.

Uma delas contei essa semana no Facebook. Advogando para minha mãe, orientei a mesma sobre o que não deveria dizer na audiência. Não se trata de fazê-la mentir, mas de focar no que importa, já que ela é o tipo de pessoa que fala muito mais do que lhe é perguntado. Durante a audiência, quando o juiz fez a primeira pergunta, ela soltou a matraca e falava o que podia e o que não podia. Dei uma cutucada com o pé por baixo da mesa e ela se afastou. E continuou falando. Cutuquei de novo e novamente ela se afastou. Quando dei uma cutucada mais forte, ela parou de falar e em alto e bom som disse, olhando pra mim: “Aiê! Que que cê quer???” Dá pra imaginar o aperto em que fiquei.  

Tive outro caso, em que só ajuizei a ação porque a cliente jurava ter uma testemunha, só esta, que não poderia apresentar naquele momento, porque o moço estava em outra cidade a trabalho, mas que estaria disposto a vir para a audiência. Liguei pro rapaz, ele confirmou que havia visto tudo e que viria. Fiquei tranquila e distribuí a petição. Marcada a audiência, mais de um ano depois do ajuizamento da ação, e mais de 3 anos após o fato, o moço veio se reunir comigo. Quando solicitei que contasse o que ele viu, ele disse que não se lembrava mais, por ter passado tanto tempo. Quase tive um troço! Respirei fundo e refresquei sua memória, até que ele se lembrou e me contou detalhes de como minha cliente tinha caído ao descer do ônibus. Acontece que o acidente ocorreu enquanto ela SUBIA. Depois de algumas tentativas, sem sentir qualquer segurança na testemunha, avisei a cliente que perderíamos a ação. O que nos salvou foi uma proposta de acordo promovida pela parte contrária e à qual aderimos sem pestanejar.

Existem ainda aqueles clientes que te convencem da injustiça que sofrem e no decorrer do processo você é surpreendida com a descoberta das mentiras da pessoa. E aqueles que pagam o profissional e, insatisfeitos, pedem para você dar continuidade, já comunicando que não tem um tostão para te pagar, pois gastou o que nem podia com o outro advogado.

Do lado de cá, já me deparei com alguns casos de colegas que roubaram seus clientes, repassando um valor bem a menor que o devido. E isso é constrangedor para toda a classe. E o mais comum: advogados reclamando que os clientes incomodam demais e os clientes reclamando que não conseguem falar com seus advogados.

Enfim, todos nós, de um lado ou de outro, pecamos nesta relação. E apesar de me indignar nestas situações, depois acabo fazendo piada, afinal, somos seres humanos e relações humanas são assim mesmo.

Mas, uma coisa não perdoo: cliente, depois de me contratar, procurar outro profissional e chegar no escritório dizendo que o outro disse que estou agindo errado. Ou mesmo, sem procurar ninguém, dizer que estou com descaso com o processo. Nas poucas vezes que passei por isso, devolvi todos os documentos do cliente e renunciei ao caso, mesmo diante dos protestos deles. Quem, nestas situações, saiu do meu escritório sem levar sua papelada e minhas razões formais de renúncia, receberam tudo via carta registrada. Pra mim, a confiança foi quebrada e não me interessa manter relação profissional com aquela pessoa. As pessoas tem direito de não concordar com o caminho que escolhi para fazer valer aquela tese, mas deve conversar comigo e não acusar, ameaçar ou agir de maneira tão arrogante. Especialmente, porque em todos os casos em que isso aconteceu, eram pessoas que reclamaram sérias dificuldades financeiras e que, em razão disso, cobrei honorários bem abaixo do que deveria.

Bom, diante de tudo que contei, só posso aconselhar que, sim, busque sempre informações sobre seu caso, antes e depois de escolhido o profissional. Porém, tenha cautela depois da contratação. Não destrua a relação com o profissional que te socorreu quando você precisou. Escolha bem seu advogado, pesquise tudo e todos sobre seu processo e contrate o profissional em que você confia. Se no decorrer do processo, essa confiança se quebrar, não hesite em contratar outro advogado, informando para o anterior que você não está satisfeito com a conduta dele. Não há problema nisso. Problema é acusar sem ter fundamento.

Ah, não tem como arcar com honorários de um advogado em quem realmente confia? Só lamento! Dinheiro pra cerveja, pro aniversário do seu filho, pra viagem, sempre aparece, né?! Uma questão de prioridades. Se você mesmo não valoriza o seu caso a ponto de, com ou sem sacrifício, pagar um profissional que lhe transmita confiança, não exija isso do outro.

E, “pelamordedeus”, pare de ligar para o advogado que você contratou. Insistência não fará seu processo andar mais rápido ou o profissional agir melhor. Ao contrário do que você pretende, isso não faz ninguém ter mais zelo com sua causa que com as demais, apenas cria antipatia e descaso com suas tentativas de contato, dificultando inclusive que você consiga encontrar o advogado quando realmente tiver algo importante a dizer.

Pra encerrar, lembrei de um caso que me constrangeu bastante. Certa vez, precisei fazer a defesa de uma senhora que, sem costume de usar lingeries, era acusada de mostrar as partes íntimas no local de trabalho. Orientei, conversei, expliquei e lá fomos nós para a audiência na Corregedoria. Quando perguntada se realmente tinha tal hábito, ela negou, indignada e pra provar que usava, sim, lingerie, abaixou o decote e a manga mostrando os peitos dentro do sutiã novinho, para o Presidente da Comissão Processante. Quase explodi tentando segurar o riso.

Vou te contar, advogado sofre, viu?!

E se você, cliente, sofre também, entre em contato conosco no www.alodoutora.com.br, estamos à disposição para te orientar. Conte conosco!

Muita luz pra vocês!

Juizados especiais

Os Juizados Especiais estaduais, chamados comumente de “Juizado de Pequenas Causas” foram criados com o objetivo de desafogar o Judiciário, agilizando o julgamento de causas de menor complexidade, isto é, aquelas, na esfera cível, que não ultrapassem 40 (quarenta) salários mínimos. Já na esfera criminal, são julgadas causas envolvendo crimes de menor potencial ofensivo, aqueles cuja pena possa ser trocada por serviços prestados à comunidade. Nas causas cíveis de até 20 (vinte) salários mínimos o interessado não precisará de advogado, mas acima desse valor é obrigatório se fazer acompanhar pelo profissional.

Mas atenção: nestes Juizados não podem ser ajuizadas causas envolvendo assuntos de família ou trabalhistas.

Ali atuam conciliadores que são estudantes e profissionais do Direito ou de outras áreas, treinados para buscar acordos que satisfaçam ambas as partes. Uma demanda judicial pode ser demorada, além de cara. Um acordo, muitas vezes, é o melhor caminho para a solução de determinadas conflitos, já que pode por fim ao processo já na primeira audiência. Não havendo acordo, o processo seguirá para que as partes façam sua defesa, apresentem provas (que não podem ser complexas) e para que o juiz decida, ou seja, expeça a sentença. Mesmo assim, o procedimento costuma ser mais ágil que na justiça comum.

Optando pelo acordo, as partes não poderão recorrer. Porém, se a conciliação não for possível, da sentença caberá recurso para as Turmas Recursais. Neste caso, isto é, se houver recurso, quem perder deverá arcar com as custas do processo e os honorários do advogado da outra parte. Não havendo recurso, não haverá custas nem tais honorários (de sucumbência).

Alguns advogados questionam a atuação destes Juizados, já que, em nome da celeridade procedimental (rapidez do procedimento) muitos princípios deixariam de ser observados. Analisando-se friamente, sim, talvez seja verdade. Porém, a parte, isto é, a pessoa que busca a solução de um conflito, nem sempre está disposta a percorrer longos e tortuosos caminhos em busca de uma resposta. É muito comum preferir abrir de mão de uma ou outra questão para dar fim à contenda de forma mais rápida.

É por estas e outras que o interessado deve sempre procurar um advogado, ainda que seja para, ao final, decidir agir sem ele. O cliente deverá informar-se sobre todos os caminhos possíveis para ver solucionado seu problema, questionando inclusive sobre as consequências de cada um destes caminhos: custo, prazos, etc.

Quando procurar um Juizado Especial, para ajuizamento de ação, leve sempre cópia de sua identidade, de um comprovante de endereço e toda a documentação que comprova o que você pretende pleitear, incluindo nome completo e endereço de testemunhas, se for o caso.
Antes de procurar a Justiça, tente um acordo diretamente com a outra parte. Mesmo tendo que abrir mão de alguma coisa. O Judiciário deve sempre ser a última alternativa. Se não conseguir um acordo verbalmente, envie uma carta com AR, informando sua proposta e dando prazo para aceitação. Se não for procurado neste prazo, ajuíze a ação e leve também cópia desta carta (funciona como uma notificação extrajudicial).

Depois que entrar com a ação, será marcada a audiência de conciliação. Chegue com bastante antecedência e leve todos os documentos, inclusive seus documentos pessoais. Não use boné, bermudas ou chinelos na audiência. Esta primeira conversa é com um conciliador e se houver acordo o processo termina aí. Não havendo acordo, o processo terá andamento, o juiz analisará as provas e dará a sentença. Se houver necessidade de ouvir testemunhas ou as partes, será marcada uma audiência com o juiz, antes que ele dê a sentença.

Como já dissemos, existe a possibilidade de ajuizar a ação sem advogado. Porém, se a parte que perder decidir apresentar recurso, ambos, quem ganhou e quem perdeu deverá ser representado por um advogado. E quem perder o recurso arcará com as custas processuais, se houver, e com os honorários do advogado da outra parte.

Por fim, fique alerta. Tudo pode ser prova de seu direito: emails, bilhetes, sms, mensagens de whatsapp e qualquer conversa por qualquer meio de comunicação.

Abaixo, endereços e telefones, em Belo Horizonte/MG, para eventuais dúvidas:

* Juizado Especial Criminal - Avenida Juscelino Kubitscheck, 3250 (Via Expressa), Bairro Coração Eucarístico, telefone: (31) 3419-2300.

* Juizado Especial Cível e da Fazenda Pública- Unidade Gutierrez (microempresas, execução de título extrajudicial e acidentes de automóvel) - Avenida Francisco Sá, 1409, Bairro Gutierrez, telefone: (31) 3253-2150.

* Juizado Especial Cível e Relações de Consumo (inclui DPVAT) - Rua Padre Rolim, 424, Bairro Santa Efigênia, telefone: (31) 3289-9300.

* Juizado Especial Cível – Unidade Barreiro (autor ou réu residente ou estabelecido na região) - Avenida Sinfrônio Brochado, 802, Bairro Barreiro, telefones: (031) 3383-6500.


Muita luz pra vocês!

Envelhecendo

- Ai, eu vô sentá. Num to guentano de dor.

Eu olho e vejo uma idosa mancando até o assento do ponto de ônibus.

- Qual o ônibus da senhora?
- 4801.
- Pode deixar que eu olho aqui.
- Brigada, minha fia. Eu tenho pobrema nas perna e nessaquí eu pus uma prota, mas esse trem dói demais.
- Imagino!
- Diz que esse negóçu de prota dói assim mess... Caus qui tem muito parafuso, né?!

Ela disse isso, passando a mão na perna, na altura do quadril, onde dava pra ver sob a roupa uma protuberância que imaginei ser a prótese.

Fico muito preocupada com o fato de que estamos caminhando para uma sociedade de solitários. Já somos uma sociedade velha. O número de idosos, em relação aos jovens, é muito grande e está aumentando. Envelhecer num país sem jovens, onde cada vez mais casais têm menos filhos, significa envelhecer sozinho, solitariamente, sem ter quem cuide da gente.

A senhorinha da “prota” aparentava ser alguém muito simples, simplória mesmo. E vê-la assim, andando sozinha, sentindo dor, me comoveu. Será correto essa prótese doer assim? E ficar tão protuberante sob a pele, é normal? Será que compreende tudo que o médico diz? Será que compreende as recomendações? Será que sabe onde buscar ajuda, caso a prótese esteja inadequada? Acredito que não.

Nossos idosos estão desamparados. Não falo pelo Governo, nem pela família. Desamparados de si mesmos. Passaram uma vida inteira sem se preparar para a velhice e, agora, têm dificuldade de lidar com informações e com tecnologia. Não raro atendo pessoas que não conseguem repetir o que o médico disse. Saem do consultório mais perdidos que quando entraram. E o que tem sido comum: idoso menos velho cuidando e acompanhando idoso mais velho, ambos sem qualquer preparo para cuidarem sozinhos de suas próprias vidas.

Em que bolha vivemos? Como é possível chegar a uma idade tão madura, sem maturidade para a vida, sem qualquer capacidade de compreender coisas tão básicas, mas tão importantes? Como viveu, criou família, com tamanho despreparo intelectual? Que adianta a luta pelos direitos dos idosos se eles não conseguem compreender nem a primeira frase de um texto simples, que dirá uma nota jurídica sobre como buscar um direito garantido pela lei?

E numa sociedade, como a nossa, cujo futuro é de envelhecimento solitário, precisamos de alguma forma nos preparar para isso, para sermos capazes de compreender as informações necessárias à nossa saúde e bem estar. E uma forma de fazer isso, é exigir, nas instituições das quais participamos, a existência de assistentes sociais à disposição do associado. Seja no sindicato, seja no Clube da Terceira Idade, seja na associação de bairro, precisamos de pessoas voluntárias ou remuneradas que possam ajudar o idoso a receber todas as informações necessárias para se cuidar.

Percebemos que muitos idosos não exercem seus direitos por desconhecê-los. Sequer sabem onde buscar informações. E, se por algum caminho, obtém a informação de que a lei lhe garante algo, trava diante do procedimento necessário: sabe que tem o direito, mas não sabe ou não consegue seguir o procedimento necessário para adquiri-lo.

O Direito é muito importante na vida das pessoas para garantia de uma vida digna, saúde e bem estar, mas não adianta não saber como utilizar isso. Envelhecer sem capacidade intelectual para compreender informações básicas necessárias à uma vida digna, coloca em risco não só nossos direitos, mas também nossa saúde. Num futuro bem próximo, não teremos familiares jovens disponíveis para traduzir informações e tecnologias. E aí?

E aí que precisamos nos associar a entidades que prestem serviço de assistência social a idosos, como clubes da melhor idade, clubes da amizade, grupos pastorais, e procurar cursos que dêem desenvoltura no uso do computador e da internet.

Atualize-se! 

Muita luz para todos nós!

Os invisíveis

- Travéssarrua! Travéssarrua! Travéssarrua!

Agora, na minha vizinhança, fica um mendigo cego. E como tá cheio de moradores de rua, ela fica pra lá e pra cá de papo com eles. Atravessa a rua pra lá, atravessa a rua pra cá. Mas, as vezes, não tem ninguém para ajudá-lo e ele fica lá, gritando, para alguém atravessá-lo.

- Travéssarrua! Travéssarrua! Travéssarrua!

E grita assim mesmo: “travéssa a rua” e não “atravessar a rua”.

Belo Horizonte tinha um trabalho bacana com moradores de rua, mas ultimamente tem deixado a desejar. E eles estão proliferando. São muitos perto da minha casa, mas de tempos em tempos mudam. Uns somem e aparecem outros. Fazem as necessidades fisiológicas nas proximidades da portaria do meu prédio e não vou dizer o que tenho vontade de fazer com eles, por causa disso. Só posso dizer não farei porque tenho muito que viver ainda e o medo de passar décadas encarcerada me deu medo.

O Ministério Público de Minas Gerais criou uma cartilha sobre os Direitos dos Moradores de Rua. Muita gente critica. Afinal, quem vive na vadiagem tem direitos? Não é bem assim. Há leis que defendem essas pessoas, que não são necessariamente vadios, e temos que cumpri-las. Esta cartilha foi lançada junto com um projeto de reinserção psicossocial, mas parece que a coisa não vingou, porque a galera continua lá no meu quarteirão. Porém, sei que muitos obtiveram, com ajuda da Prefeitura, benefícios assistenciais e saíram da condição de miséria. São doentes mentais, deficientes físicos e usuários de drogas amparados pelo Governo. Tudo dentro da lei. Alguns, com esse dinheirinho, foram cuidar da vida. A maioria continua na rua. São pessoas, como uma velhinha ali perto do meu trabalho, que até tem casa em outra cidade, tem aposentadoria, mas não sai da rua. É roubada, judiada, mas não sai da rua. Outra moradora de rua, bem mais nova, mais articulada, conta que já trabalhou como técnica em Contabilidade, mas que teve um “revertério” com a família e foi parar na rua. Está na fila da Prefeitura para ganhar uma casa, mas sempre passam usuários de drogas na frente dela. Já são 6 anos nessa espera.

O morador de rua tem direito à vida com saúde, trabalho, educação, segurança, moradia, assistência social e lazer. E não me faça essa cara de “aham, sei...” Não são vocês, não somos nós que defendemos que todos somos iguais? Pois é! As pessoas têm direito de ir, vir e permanecer nos locais públicos e qualquer forma de discriminação ou prejuízo a eles, pode ser severamente punida pela Justiça, como seria conosco. A Cartilha do Ministério Público, inclusive, orienta como eles devem registrar ocorrência policial e onde buscar providências para se fazerem respeitados. Indica que devem ser unir e participar de reuniões do conselho de assistência social do município para obter acesso a uma série de benefícios e reivindicar outros.

Pode soar estranho que alguém, em especial uma grande entidade como o Ministério Público, se ocupe em defender e orientar quem nos parece desprovido de qualquer cuidado consigo mesmo, enquanto nós trabalhadores, pais e mães de família possuímos tanta dificuldade para fazer valer nossos direitos. Mas se defendemos a bandeira da igualdade e da inclusão, ninguém pode ficar de fora. Ninguém! A lei nos nivela, nos concede igualdade e não há por que escolher quem é igual e quem não é, para decidir se tem direitos ou não. Tem direitos e ponto final.

Assim, o morador de rua ou, como agora se diz, a pessoa em situação de rua não precisa da sua piedade. Não precisa da sua sopa, não precisa do seu agasalho. Precisa apenas de auxílio para exercer seus direitos e deveres. Sim, eles também têm deveres, como todos nós. Eles têm o direito de permanecer na rua e possuem o dever de não fazer dela moradia. De acordo com a lei, rua é local de passagem, local público não pode ser morada. Por isso, a Prefeitura recolhe colchões, fogões, sofás, panelas e tudo que esteja nas ruas e praças com caráter de domicílio. Eles têm direito de ir, vir e permanecer e possuem o dever de não sujar e não impedir a passagem.

É claro que se trata de um assunto complexo, que envolve questões morais e sociais, além do lado jurídico da coisa. Só queria mesmo lembrar a vocês (e a mim mesma, principalmente!) que quando levantamos as bandeiras de igualdade, liberdade e respeito, isso inclui todo mundo e o “todo mundo” é a soma das pessoas que a gente vê e daquelas que nos são invisíveis, como os que vivem nas ruas.


Muita luz para todos nós!

Não somos todos iguais, a não ser perante a lei.

Coisa tosca no Facebook é frase pronta. E mais chato ainda é replicar aquilo como se fosse verdade. Uma muito compartilhada é aquela figura de um caixão com os dizeres “Aqui termina todo o orgulho, toda a arrogância, toda a superioridade, todo preconceito.” Primeira coisa que vem à minha cabeça: “Opa! Bora ser bastante arrogante enquanto se está vivo, porque depois que se morre, isso acaba! Bora exercer toda a superioridade em vida, porque depois que eu morrer não vou poder empinar meu nariz!”

E o tanto de gente que cuida da vida do fofoqueiro, demonstrando indignação por ele também cuidar da vida dos outros? É uma piada! E o povo se sente gente repetindo frases prontas e tantas outras bobagens. E a questão da igualdade é uma delas. “Ninguém é melhor que ninguém!”, dizem. Oh, dó!

No texto de semana passada, lembrei que quando defendemos a bandeira da igualdade, ninguém fica de fora. Ninguém mesmo!

Me incomoda muito esse discurso de “somos todos iguais”, “ninguém é melhor que ninguém”, “todos temos os mesmos direitos e deveres”. Será mesmo? Ninguém me convence disso. E quando retruco, ninguém me responde, ninguém argumenta. Limitam-se a sorrir, sem graça. Alguns até gaguejam, mas não passam disso.

- Se somos todos iguais, você se considera igual à Suzane Richthofen?

- Se ninguém é melhor que ninguém, porque você desfaz, à boca pequena, do filho da vizinha que quer namorar sua filha?

- Se todos temos os mesmos direitos e deveres, porque mulher aposenta com 30 anos de contribuição e homem com 35?

Ninguém me responde. Mas eu sei as respostas.

Nós não somos iguais. Nunca fomos. Nunca iremos ser. Há pessoas melhores e pessoas piores, em um ou mais aspectos. Há pessoas com mais direitos que outros e menos ou mais deveres.

Essa ideologia da igualdade, se trata na verdade de Igualdade Jurídica e igualdade jurídica não nos iguala a não ser onde a lei diz que devemos ser tratados da mesma maneira. O comando é jurídico, não é moral, nem religioso, nem filosófico. “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...” (art. 5º, Constituição Federal). Todos somos iguais, sem qualquer distinção, perante a lei, somente perante a lei, o que significa dizer que somos iguais apenas onde a lei assim dispuser. E onde ela não falar nada, não somos iguais, somos indivíduos com particularidades e características bastante diferentes.

Ninguém será considerado culpado sem que responda um processo onde lhe seja garantida ampla defesa. Tá na Constituição. O bandido pego em flagrante e você, cidadão de bem, até o final do processo são igualmente sujeitos do direito de defesa, do direito do contraditório. E você é igual a um assassino? Não! Mas, sim! Juridicamente, onde a lei diz que sim, sim! Mas em muitos outros aspectos eles são pessoas piores que você.

Também está na Constituição que ninguém pode ter direitos ou deveres diferentes por ser negro ou branco, mulher ou homem, letrado ou analfabeto, rico ou pobre, deficiente ou não. Mas pode! Não pode. Mas pode. Perante a lei e perante a própria Constituição. Por isso, negros tem prioridades e exercem direitos diferentes sobre brancos (cotas), pobres sobre ricos (cotas), deficientes sobre não deficientes (cotas), letrados sobre os analfabetos (ser votado), mulheres sobre homens (aposentadoria). Uai... Mas não somos iguais? Não! Sim! Somos iguais quando a lei diz que somos. E somos diferentes onde ela assim determina. O assunto é jurídico e não passa disso. Mas a galera repete igual papagaio como se fosse uma verdade moral universal.

Sabendo que somos diferentes, a Constituição prevê que em alguns casos a lei deve informar onde somos iguais e quando é que seremos considerados diferentes. Mas seguimos bradando que todos somos iguais e dignos dos mesmos direitos e deveres, menos os negros, menos os moradores de rua, menos os menores infratores, menos os filhos da vizinha, menos, menos, menos.

Porém, não é por seremos nitidamente tão diferentes, que não devemos defender a bandeira da igualdade. Só temos que lembrar que a Igualdade (e algumas diferenças) é jurídica, e como tal, exige argumentos jurídicos. Se você não tem formação na área... Melhor mudar de assunto rs. Ou se informar bastante antes de querer se impor como igual ao “resto do mundo”.


Muita luz para todos nós!

Índio


Hoje vou escrever diferente,
De um jeito que não estou acostumada.
Cansei de ser normalzinha,
Agora a ideia vai ser ritmada.

Comemoramos esta semana
O Dia do Índio no Brasil.
De todos os filhos destas terras,
Talvez o mais varonil.

A lei brasileira pretende
Tratar o índio como nosso igual.
Antes era incapaz, um coitadinho,
Hoje a situação jurídica é contextual.

O indígena agora terá
Lei específica a obedecer.
Se continuar a viver na aldeia
Seu estatuto é que irá prevalecer.

Continuará como sílvicola,
Tutelado pelo Estado,
E tudo que fizer
Será relativizado.

Se porém ele preferir
Viver em nossa sociedade,
Deverá cumprir as nossas leis
Quando atingir a maioridade.

É o Judiciário, após ouvir o Ministério Público,
Que dará autorização,
Desde que o índio conheça o português
E os usos e costumes da região.

E, assim, sairá da aldeia
Pelo juiz autorizado.
Seguindo as leis do homem branco,
Vivendo como civilizado.

Desculpem a brincadeira
De falar do Direito em verso.
Inovar às vezes é preciso.
E gosto de mudar, confesso.

De qualquer forma, acredito
Que o recado esteja dado.
O índio é como nós,
Não tem porquê ser discriminado.

E pra fechar o texto da semana,
Como sempre venho desejar
Muita luz para todos nós

E qualquer dúvida, é só enviar.

O caso dos exploradores de cavernas

Cinco exploradores ficaram presos numa caverna após um desmoronamento. Acionado o resgate pelas famílias, novos desmoronamentos ocorreram, inclusive com morte de toda uma equipe de bombeiros. Vinte dias após o primeiro desmoronamento outra equipe de resgate conseguiu contato via rádio e informou ao grupo que seriam necessários mais 10 dias para resgatá-los. Porém, eles não tinham mais comida. Para manterem-se vivos, decidiram comer um dos amigos. Mas qual?. Foram consultadas autoridades médicas, religiosas e políticas, mas ninguém quis participar da decisão. Um deles propôs jogar dados, quem perdesse seria o alimento dos demais. E justo quem fez tal proposta perdeu, foi morto e comido pelo grupo, que conseguiu então manter-se vivo até serem resgatados.

Da caverna, foram para os Tribunais e condenados por homicídio. Recorreram e dos 4 juízes que deveriam votar o recurso, nenhum teve opinião igual ao outro.

O primeiro juiz entendeu que os acusados deveriam ser absolvidos. Leis são feitas para a vida em sociedade. Quando estavam na caverna os exploradores não estavam em sociedade e portanto não havia lei que vigorasse ali. Assim, não há que se falar em homicídio. Prevaleceriam as leis naturais de sobrevivência, de salvar a própria vida. O segundo se absteve de julgar, considerando que não havia lei aplicável a um caso tão inusitado. O terceiro juiz entendeu a situação e o dilema dos acusados, mas entende que seu trabalho é aplicar a lei e a lei diz que não se pode matar outro alguém. Por isso, votou pela manutenção da condenação. E o quarto juiz aponta uma pesquisa que demonstrou que a opinião pública entendia que eles não cometeram crime algum. O grupo fechou um acordo de sobrevivência, todos concordaram e o acordo foi cumprido. Eles fizeram a lei e eles a cumpriram. Assim, sendo papel do Direito atender aos anseios da sociedade, os sobreviventes deveriam ser absolvidos.

No final das contas, diante de tanto impasse, a Suprema Corte manteve a sentença e condenou os exploradores de cavernas à sentença de morte.

Este foi o primeiro dilema com o qual me deparei assim que entrei na faculdade de Direito. Uma situação, 4 posicionamentos distintos, 4 verdades.

Vive-se agora outro dilema. Foi estupro ou não foi estupro? Num território dominado pelo tráfico, eles fazem as leis; não houve estupro. A opinião pública esta dividida: foi estupro porque não houve consentimento; não foi estupro porque ela tinha esta prática, este costume de fazer sexo drogada com os rapazes da região, para ganhar pedras de crack. E para mais alguns, foi estupro, porque a lei é clara sobre isso e ela deve ser aplicada, independente do contexto.

Casos diferentes, mesmos dilemas morais e jurídicos. E todos acreditando que a sua verdade é a absoluta.

Verdades são relativas. Em especial no Direito, onde há tantas teses, correntes e interpretações. Interpretação literal, histórica, contextual, extensiva ou restritiva? Quando você diz que foi estupro, qual interpretação está realizando? E você, que diz que não foi estupro, esta fazendo qual interpretação? Ninguém sabe! Só sabe que a sua verdade é a mais verdadeira.

Eu não fiquei 5 anos numa faculdade pra ficar assistindo leigo dando aula sobre Direito Penal. Mas concordo que o tema é apaixonante e as pessoas viajam na maionese na legislação criminal. Assim como eu mesma viajo legal na Psicologia sem ter qualquer formação na área. O que a gente não pode esquecer é que justamente por haver tantas formas de ver o mundo, o fato e a lei, que nenhuma verdade é absoluta e que dados baseados em mídia sensacionalista mais manipulam que informam. É o juiz que vai dizer qual é a verdade daquele contexto. Porque a verdade dos fatos está no processo. Não é o delegado, não é o Ministério Público, não é a mídia, que irão julgar.

O papel do delegado é colher provas, evitando que elas se percam até que se forme um processo judicial. Pronto! Delegado não julga. Ele forma uma convicção. Ele entende que houve um crime e encaminha para a autoridade competente dar início a um processo judicial. E pode acontecer de nada que foi elaborado pelo delegado ser aproveitado no processo judicial. É que como não há contraditório, defesa, no inquérito, as provas são vistas com restrições e precisam se confirmar perante o juiz. E no processo, vai-se formando mais uma verdade.

Não é raro que a realidade do processo judicial seja diferente da realidade da vítima e da realidade do acusado. Ainda assim, ela há de prevalecer! O que não está nos autos, não está no mundo. Juiz não tem bola de cristal. São as provas que estiverem no processo e a interpretação que o magistrado fizer delas e da legislação é que determinarão qual decisão tomar.

O caso que abriu este texto ilustra o debate entre o Direito Natural, o Direito Positivista e o Direito Realista. Grosso modo falando, o Direito Natural, o Jusnaturalismo, ensina que as leis devem ser analisadas levando-se em consideração a razão, a moral e até o divino. Naquele momento, aquela atitude teve um fundamento moral válido e portanto não há que se falar em crime. O Direito Positivo, o Juspositivismo, já determina que a moral do intérprete não deve contaminar a interpretação das normas jurídicas. No momento em que aquela atitude ocorreu havia lei que a condenava, que a julgava como crime. Portanto, houve crime. Já o Realismo Jurídico acredita que a norma jurídica não é tão importante; deve-se levar em consideração apenas aquilo que outros juízes decidiram em casos anteriores. Não é a moral, nem a lei que devem prevalecer, mas sim a decisão do juiz, que cria o direito a partir do caso concreto. A lei é apenas referência. Apesar de haver lei que condene, como aquela atitude é vista pela sociedade?

E aí? Quando você diz que foi, que não foi, que talvez tenha sido, você diz isso com base em qual corrente? Porque se sua opinião for dada para embasar a ocorrência ou não de um crime e a punibilidade correspondente, temos que falar em correntes jurídicas, interpretação legal. Se não é o seu caso, se não tem formação pra isso, sua opinião serve apenas para embasar seu julgamento moral. E seu julgamento moral vai determinar a sua conduta. Se você acredita que no que você diz, aja de acordo com isso. Mas a sua verdade pode não ser a minha e eu vou agir com base naquilo que eu julgo correto e não no que você assim considera.

Eu tenho esse defeito de acreditar que a minha opinião deve ser a verdade de todo mundo, de acreditar que se todos agissem como eu o mundo seria melhor (rsrsrs). Eu e meio mundo! Mas, ainda que no calor da discussão eu demonstre tal arrogância, sei que as coisas não funcionam assim.

- Dri, foi legítima defesa ou não foi?
- Uai, depende! Você quer saber minha opinião como Adriana ou como Dra. Adriana?
- Não entendi!
- Como pessoa, sem pensar juridicamente, penso de um jeito que nem sempre corresponde ao que devo defender como advogada.
- Tá! Como advogada!
- Não foi legítima defesa. Tiro na nuca é execução. O moço já estava imobilizado. O atirador era menor e mais fraco que a vítima. Como advogada, não acato a tese da legítima defesa.
- E como gente?
- Oi?
- E como gente normal?
Arregalei os olhos pra ela:
- Advogado não é gente normal?
- Mas foi você quem falou que...
- Tudo bem, entendi. To de sacanagem contigo... Como “gente normal”, foi legítima defesa! Um cara armado vem pra cima de mim, atira em pessoas que amo e eu ainda tenho que ficar pensando onde atirar para não pagar por homicídio? Se der mole com a arma, eu pego e atiro em qualquer lugar, de qualquer jeito.
- Então... O juiz vai olhar isso, né?!
- Não! O assunto é técnico, e minha opinião como leiga, não tem valor nenhum.
- Entendi... Então o juiz não vai dar legítima defesa, né?
- Não sei.
- Uai! Mas sua opinião jurídica não é o que ele tem que considerar?
- Não! Pode ser que sim, pode ser que não. Ele vai ler tudo que os advogados disserem, vai analisar as provas, vai estudar as decisões em outros casos parecidos e na sentença pode chegar a uma conclusão diferente da minha opinião técnica.
- Nossa, que confusão!

E é pra confundir, mesmo! A vida da gente não pode ser decidida tão facilmente, de modo que leigos já tenham solução imediata para tudo, com uma simples análise do que viu na mídia.

Mas e aí? Me conta! Você mataria seu amigo para manter-se vivo até a chegada do resgate? Você comeria carne humana para manter-se vivo? Tente responder colocando-se naquele contexto em que você está prestes a morrer. Até acredito que ninguém se conhece, afinal não vivemos situações extremas. Mas coloque-se imaginariamente em risco de vida e me conte o que você faria e porquê.

Muita luz para todos nós!