Prefeito e Vereador

Continuando o papo (chatinho, rs) sobre as eleições municipais, vamos falar hoje dos agentes dela, especificamente, Prefeito e Vereador. Como todos sabem, Prefeito é o Chefe do Poder Executivo e o Vereador o membro da Câmara Municipal.

A Câmara Municipal, local onde são discutidas e formuladas leis locais, não está subordinada à Prefeitura, nem ao Prefeito. É um poder (Poder Legislativo) independente. Apesar disso, sua receita, isto é, o dinheiro para manutenção de sua estrutura e funcionários vem do Orçamento do Município.

Bom, além de fazer as leis (função legislativa), a Câmara possui um papel fiscalizador das finanças, do orçamento, do patrimônio e da contabilidade da cidade. Considerando que a Câmara também pode dar sugestões à atuação do Executivo Municipal, diz-se que ela tem ainda uma função de assessoramento. Ela também julga as contas do Prefeito e infrações administrativas que ele venha a cometer. Todas estas atribuições são desempenhadas pelos Vereadores. São eles que exercem, executam as funções legislativa, fiscalizadora, de assessoramento e de julgamento de contas.

A Câmara possui, excepcionalmente, uma função investigativa. Por meio de uma comissão parlamentar de inquérito, as conhecidas CPIs, ela investiga fatos da vida política, econômica e social da comunidade em defesa da coletividade, para comprovação de irregularidades ou esclarecimentos. Mas estamos falando de um órgão legislativo. Judiciário é outro Poder. Assim, caso seja comprovado algum ilícito o relatório conclusivo da comissão será encaminhado às autoridades judiciárias competentes para julgamento do caso e punição. CPI não pune ninguém!

Imagine a quantidade assuntos que um vereador deve aprender para realizar todas as funções relacionadas à vereança (nome do exercício do cargo de vereador). Por isso, ele tem assessores, técnicos, um corpo especializado à sua disposição para orientá-lo sobre tudo que diz respeito à municipalidade e à legislação. Ora, são eleitas pessoas de todo nível social e econômico. Não dá para querer que eles já cheguem sabendo tudo. E aqui não importa a escolaridade do sujeito (até onde ele estudou), mas sim sua capacidade intelectual. Só não pode ser analfabeto, isto a lei não admite. Junto com sua capacidade intelectual, isto é, além de conseguir compreender com clareza o que lê, ouve e observa, o vereador precisa ser flexível, saber negociar, barganhar. Isto é fazer política. Precisa conhecer a região, os problemas e as lideranças locais. Por isso, a obrigatoriedade de residir no município. Como fazer leis justas para um lugar em que você não vivencia sua realidade?

A maioria das leis locais nasce de um projeto da própria Câmara, apresentado por um vereador, por meio de um projeto de lei. Porém, algumas leis tratam de assuntos, cujo projeto de lei apenas o Prefeito pode elaborar. Estas nascem no Gabinete do Prefeito. Porém, nos dois casos, e ainda naqueles projetos de lei de iniciativa popular, a proposta irá tramitar nas comissões temáticas da Câmara (análise de legalidade, necessidade, viabilidade financeira, etc.) e irá a plenário para discussão e votação. Só aí poderá ser encaminhada ao Prefeito para ser sancionada (publicada para começar a surtir efeitos) e se tornar lei. Se não aprovada, o projeto será arquivado e não poderá ser desarquivado naquela mesma legislatura (período de duração do mandato do vereador = 4 anos). Se o Prefeito vetar a lei inteira ou alguns artigos, o texto volta para a Câmara para nova discussão em plenário e votação. Se acatado o veto integral, a proposta é arquivada. Se derrubado o veto integral e o Prefeito insistir em não sancionar a lei, o Presidente da Câmara a promulga (publica e faz valer). Se aprovado o veto parcial, volta para o Prefeito sancionar. Se derrubados os vetos parciais e o Prefeito insistir em não sancionar a lei, o Presidente da Câmara a promulga (publica e faz valer).

O vereador não pode apresentar projeto de lei sobre qualquer assunto. É preciso consultar a Lei Orgânica, que é a constituição do Município, para verificar os assuntos de competência da Câmara. Sempre são assuntos de interesse local, inicialmente indicados na Constituição da República, ou ao menos não proibidos por ela. É tudo que diga respeito às ruas da cidade, por exemplo, mas não em relação às estradas intermunicipais. E alguns assuntos locais só o prefeito pode transformar em projeto, como é o caso de remuneração de servidores, despesas da Prefeitura, criação e extinção de órgãos municipais.

Qualquer eleitor, outro vereador ou o Presidente da Câmara podem denunciar um vereador sobre utilização do mandato para a prática de atos de corrupção ou de improbidade administrativa, fixação de residência fora do Município, conduta incompatível com a dignidade da Câmara ou falta de com decoro na sua conduta pública. A Câmara apura a denúncia e julga. Se procedente a denúncia, o mandato do vereador será cassado.

Bom, sobre o Prefeito, como Chefe do Executivo, é ele quem administra a cidade. É quem planeja e coloca em prática tudo que diz respeito ao município. Ele que irá cumprir as leis aprovadas na Câmara. Ele que irá adequar as necessidades locais à receita disponível (orçamento), buscando realizar as ações essenciais àquela região. Também tem um corpo de profissionais que o auxiliam nos mais diversos assuntos. Assim como os vereadores, o Prefeito precisa ser flexível, saber negociar, barganhar, conhecer a região, os problemas e as lideranças locais.

Tentando simplificar o tema, pode-se dizer que os assuntos de interesse local, do qual devem se ocupar o Vereador e Prefeito, são aqueles que dizem respeito às vias públicas (conservação, limpeza e iluminação), transporte público, saúde (ambulâncias e serviços), escolas de nível fundamental, uso e ocupação do solo, dentre muitos outros (moradia, combate a pobreza, etc). O Prefeito ainda tem a obrigação de buscar recursos, isto é, criar postos de empregos e fontes de renda (por meio de incentivo à instalação de empresas ou ao desenvolvimento de atividades turísticas, por exemplo), para obter verbas (impostos) que o ajudem a melhorar as condições de vida da população e financiamento de obras.

Vixi! O texto ficou grandimais! Semana que vem continuo o assunto. Inté!

Fonte: Site da Câmara Municipal de Campo Largo/PR (http://www.cmcampolargo.pr.gov.br/historia/informacoes-uteis/consulte-aqui/).


Muita luz para todos nós!

Animais em condomínio

Quando comuniquei em casa minha decisão de ter um animal de estimação, meu ex-marido deixou claro que se eu desse mais atenção ao bichinho que a ele “iria voar gato pela janela”. Claro que não dei ouvidos à ameaça. Ainda que tivesse sido privado a vida inteira dos benefícios de conviver com um pet, sempre foi um homem pacífico e de boa índole. Dito e feito! Bastou uma semana do gatinho Billy Bichano em nossa casa e a ameaça se converteu em carinhosos pedidos de “Vem no papai, neném!”.

É assim, animais nos transformam, nos fazem bem e o reconhecimento disso faz com que cada vez mais pessoas optem por ter um animal em casa. Claro que há problemas e cuidados a serem rigorosamente observados, mas o bem estar que nos proporcionam supera qualquer dificuldade em nos adaptarmos às condutas que vão nos garantir curtir nossos bichos com saúde e muitas, muitas alegrias.

Estatísticas mostram o crescimento elevado da manutenção nos lares de animais domésticos, antes restritos às casas e seus quintais, hoje donos e senhores de nossos apartamentos, nossas camas, nossas vontades, nossa vida! As pessoas estão carentes de companhia e por motivos diversos têm trazido pelos e penas para amenizar a solidão. E os efeitos benéficos disso têm sido relatados até pela medicina.

Na contramão de tudo isso, algumas convenções de condomínio insistem em proibir a permanência de animais em apartamentos. Isso tem gerado prejuízo financeiro a todos os condôminos, já que a grande maioria das decisões do Judiciário determina a manutenção do animal. Assim, aquele condomínio que aplicou multa e ajuizou ação para retirada do pet, além de ser condenado em danos morais, arca com os honorários do advogado da parte contrária, além dos seus próprios.

Por isso, todo cuidado é pouco! Para quem tem o animal, deve-se ter cuidado de manter o bichinho saudável, desestressado, evitando que ele incomode a vizinhança. Para quem não tem, deve-se ter cuidado de avaliar com cautela o real incômodo, evitando gerar conflito e prejuízos desnecessários.

Quando se fala em vizinhança, especialmente em condomínios, muitas regras devem ser observadas, em respeito ao resguardo da saúde, do sossego e da segurança dos moradores. Seja gente, seja bicho, se colocar em risco algum destes itens, a punição é certeira e é devida.

Bom, a lei, especificamente o Código Civil brasileiro, autoriza que o morador exerça seu pleno direito de uso de sua unidade e esse direito apenas é limitado até onde começa a incomodar outras pessoas. Um choro de criança incomoda. Um salto alto incomoda. Latido excessivo, som alto, ruído de equipamentos, o bater de portas e janelas, o miado de uma gata no cio, uma descarga na madrugada. Isso e muito mais incomoda, mas não existe lugar nenhum nesse mundo onde se possa viver sem algum incômodo. Por isso, a jurisprudência ensina que é a ocorrência repetida de atitudes antissociais que geram o direito de punição e até, em casos extremos, a saída do morador que assim age.

Assim, nossos animais estão no mesmo barco que muita coisa que faz o vizinho torcer o nariz e não há porque ser mais ou menos tolerante com isso. Devemos apenas estar cientes de até que ponto estamos dentro de nosso direito e quais as consequências de virmos a extrapolar tal limite.

Saúde, sossego, segurança!

Não se pode morar num local onde nossa saúde seja colocada em risco. Por isso, se o animal por um descuido faz xixi ou cocô ou vomita nas dependências comuns, seu guardião deve limpar imediatamente. O cheiro atrai moscas que pousam em alimentos. Dejetos sólidos podem conter ovos de vermes. Vômitos podem ser sinal de doença. Mas não é só isso. Um apartamento infestado de pulgas, um animal doente que circula pelas áreas sociais, o mau cheiro que exala das portas e janelas, também podem levar a situações que afetam a saúde das pessoas. Por isso, qualquer um que queira ter um animal em casa, além de mantê-lo em boas condições de saúde, com vacina e vermífugo em dia e alimentação de boa qualidade, deve redobrar os cuidados com a higiene dele, do ambiente e da própria família.

Não se pode morar num local onde não se tenha sossego para o devido descanso. Nosso lar é nosso local de refúgio e nada pode nos perturbar ali, nada pode nos estressar, nos impedir de recompor as forças para outro período de luta, seja de trabalho ou estudo. Assim, o latido rotineiro de um cão, os infindáveis miados de uma gata no cio, o cantar estridente de um pássaro, as brincadeiras de animais de hábito noturno, o chorinho constante de um animal preso na área de serviço, o arranhar de portas de um cão que sofre a ausência do dono, tudo isso deve ser prontamente interrompido. Mesmo que ocorram fora dos horários em que deve prevalecer a lei do silencio, os exemplos citados incomodam, atrapalham, estressam as pessoas e devem ser evitados. E o problema é seu! É você quem deve se virar, fazer das tripas coração para impedir que estas situações ocorram. Crie brincadeiras, eduque o bicho, contrate um adestrador ou, em último caso, mude-se. O direito de descanso irá prevalecer, não importa o motivo que o impeça de fazer parar o incômodo. Pois se já vi decisão judicial determinando a retirada de uma criança deficiente de um prédio, pelo barulho que fazia dia e noite, imagine se terão tolerância com quem não consegue fazer um cão parar de latir.

Não se pode morar num local onde não se esteja seguro, onde se corre o risco de ser mordido por um cão, onde o dono de uma jiboia não tem a devida cautela e a danada está sempre fugindo pelo corredor ou onde o papagaio não voa mas está sempre no hall bicando as pessoas. Os animais, assim como as pessoas, não devem colocar em risco a integridade física ou a vida dos demais moradores. Tá bom, seu animal não é bravo. Mas se ele late em tom ameaçador é certo que as pessoas pensem o contrário. Não importa que ele não consiga morder ninguém, o simples fato de avançar nas pessoas as coloca em risco. Todos temos o direito de transitar pelas áreas comuns com a certeza de não sermos atacados por nada nem por ninguém. Não se admite que as pessoas andem inseguras nas áreas sociais, porque de uma hora para outra pode aparecer um animal e as atacar ou assustar. Não importa a sua verdade, enquanto proprietário do animal. Em termos de segurança, o que prevalece é o quanto as pessoas se sentem ameaçadas pelo bicho. Basta lembrar que um cão dócil, conforme o tamanho, pode machucar gravemente uma criança numa simples brincadeira. Enfim, circule com o animal no elevador de serviço, não permaneça nas áreas comuns, mantenha-o sempre na coleira, no colo (se pequeno porte) ou de focinheira (se grande porte).

Ok, agora você já conhece seus direitos e os direitos de seus vizinhos, no que se refere aos animais de estimação. Mas e aí? Como e quando agir e/ou se defender?

O mais comum é vermos eternos conflitos entre moradores, que nunca agem, só reclamam. Um reclama de cá que o bicho incomoda, outro reclama de lá que o bicho não faz mal a ninguém.

Tão incômodo quanto bicho fedendo, uivando e mordendo, é morador reclamão. Os limites são para tudo e para todos. Ora, se você considera estar no seu direito e reclamou uma, duas, três vezes, sem sucesso, entre na justiça contra o dono do animal, provando o incômodo, se o síndico não tiver feito isso. Se o síndico se omite e você também não age, apenas reclama infinitas vezes, contribui para o clima de conflito, que também importa em dano ao sossego.

Se você é o proprietário do bicho, ao receber notificações, multas ou reiteradas reclamações, entre na justiça contra estas situações. Prove que seu animal não traz riscos e garanta seu direito de mantê-lo sem interferência de quem reclama, cabendo inclusive multa no caso do morador insistentemente reclamão caso não pare de aborrecê-lo.

E atenção! Tanto quem reclama, quanto quem se defende, deve possuir provas do alegado. Documentos, testemunhas, laudos veterinários, perícias, tudo é bem vindo nestes casos.

Leia na internet sobre posse responsável de animais de estimação e aprenda mais um pouquinho sobre eles e suas necessidades.

No mais, curta seu bichinho dentro da lei, em boa saúde, no sossego de sua casa, com a segurança de quem só quer ser feliz.

Lambidas e afofos para todos vocês do siamês Billy Bichano (in memoriam), da vira-lata tricolor Gata Mell, da “xoxixa” Jade Cã (in memoriam), do pinscher Bobb Dog, da vira-lata frajola Lia Cat e do vira-lata negão Gato Jack. E agora também, da minha hóspede Bru Xinha.


Muita luz para todos nós!

Família eh! Família ah! Família!

Dizem que Jesus está xatchiadu porque, sendo adotado por José, descobriu que não tem uma família, ao menos não nos moldes do Estatuto da Família.  

Esta e outras piadas surgiram nas redes sociais como protesto ao referido estatuto proposto por um deputado da tão odiada, mas imensa, bancada evangélica da Câmara dos Deputados. E diante de tanta coisa que se diz, resolvi esclarecer o tema. E peço que visitem diretamente a fonte, cujos links indico ao final do texto, para tirar suas próprias conclusões, antes de ajudar a disseminar mentira e intolerância.

O Estatuto da Família, projeto de lei 6583/2013, que tramita na Câmara, prevê a criação de políticas públicas de saúde, segurança e desenvolvimento para grupos formados por casal heterossexual e seus filhos ou pelo pai ou a mãe com seus filhos. Estas são as famílias admitidas pelo estatuto, que não faz distinção se a prole é adotada ou biológica. Ou seja, estes grupos serão atendidos prioritariamentes em projetos de assistência social desenvolvidos para eles (saúde integral, reabilitação do convívio familiar, atenção prioritária à gravidez na adolescência, prevenção de violência doméstica, entre outros). Além disso, determina que o 21 de outubro, que já é por lei o Dia Nacional de Valorização da Família, seja comemorado nas escolas, que deverão ter no currículo do ensino fundamental e médio a disciplina obrigatória de “Educação para a família”. O documento prevê ainda prioridade de tramitação nas ações judiciais que envolvam interesses que coloquem em risco a preservação e a sobrevivência da família. Em resumo é isto. E a justificativa para a criação desta lei é que, sendo a família a unidade-base de formação da sociedade, esta precisa ser resguardada a todo custo de tudo aquilo “que dilacera os laços e a harmonia do ambiente familiar”, tais como as drogas, a violência doméstica, a gravidez na adolescência, “até mesmo a desconstrução do conceito de família”.

A polêmica reside no fato de que, excluídos deste projeto, as famílias homoafetivas e aquelas formadas por avós e netos, tios e sobrinhos ou somente irmãos, não teriam a proteção desta lei. Entendo que não haverá perda de direitos já garantidos nos diversos documentos legais que já existem e que tratam dos temas relacionados à família e às questões entre homossexuais. Nem no que se refere à adoção, nem à guarda, nem ao patrimônio, nem a outros casos. Trata-se apenas de uma lei que irá dar uma proteção diferenciada àquele grupo que ela denomina como família. Vale lembrar que existe o Estatuto da Criança e do Adolescente que já protege e prioriza as ações voltadas para crianças e adolescentes, pertençam a uma família, ou não. E isto não será alterado. É o que acredito, mas sei que há risco de decisões judiciais conflitantes com o que já “colhemos de bom” nesta seara.

De qualquer forma, não gosto desse projeto! Como cidadã, rejeito a ideia por considerar que se trata de mais um instituto jurídico que segrega, que distancia a lei da realidade social. Como advogada, acredito que mesmo sendo aprovado como lei, este documento não irá muito longe. Há muitos princípios jurídicos e outras leis que podem ajudar a derrubá-lo, se não numa ação direta de inconstitucionalidade, no caso a caso, com certeza. Sabemos que onde a lei não restringe, não nos cabe, operadores e aplicadores do Direito, fazê-lo. A constituição não define a família e portanto creio que não se pode usar um conceito restritivo para defini-la. Além disso, já há políticas e legislação de proteção às pessoas consideradas vulneráveis no grupo familiar, que são as crianças, os adolescentes, os idosos e as mulheres, não havendo necessidade de criar outras políticas para estas mesmas pessoas, demandando inclusive custo.

É papel das leis normatizar as relações sociais existentes. A sociedade vai se articulando e o direito vai acompanhando. E não o contrário! O conceito de Justiça determina que a lei deve ser aproximar dos anseios da sociedade. E a sociedade tem exigido reconhecimento jurídico de toda e qualquer forma de relação. Inadmissível que neste contexto surja uma lei segregadora.

E não para por aí!

Somos tão manipulados até quando bem informados, que ninguém lá no tar de feicibuqui fala de um outro projeto de lei que também trata do assunto e que está tramitando no Senado Federal: o Estatuto das Famílias. Este assim, no plural.

É o projeto de lei 470/2013, do Senado Federal, e que protege a família, sob qualquer forma pela qual ela se apresente. Este projeto compila tudo que as leis esparsas e a jurisprudência acata para as famílias, não importando sua composição, facilitando a aplicação do direito, e inova em muitos temas relacionados. Fala sobre o que são as relações de parentesco, sobre os deveres dos integrantes do grupo familiar, dos princípios que devem reger as relações, do casamento, do divórcio, especifica os diversos tipos de família e tantas outras coisas, de maneira bastante minuciosa. Revoga no Código Civil todo o livro Direito de Família.

Ainda que mais favorável a este projeto, como advogada, pelo fato já mencionado dele facilitar a aplicação do direito, como cidadã tenho algumas restrições. É que ele amplia mais que o devido, as relações familiares. Ele é tão extenso e detalhista que é difícil informar aqui tudo que ele propõe. Mas ele admite, por exemplo, que o enteado requeira alimentos do padrasto ou madrasta, em complementação aos alimentos pagos pelos pais. Como se vê, ele iguala o padrasto e a madrasta ao pai e a mãe, determinando inclusive que os primeiros exerçam a mesma autoridade sobre os enteados, junto com os pais e as mães. É a chamada família multiparental ou famílias recompostas. Acho confuso este compartilhamento de autoridades e deveres e, por isso, inviável, exceto na falta dos pais biológicos, claro. Um ponto muito criticado nele é o fato de impor deveres a quem mantém entidade familiar paralela, ou seja, aos bígamos e polígamos. Particularmente, acho justo mas entendo que tais relações não devam ser tratadas no patamar da família. Outro ponto é o fato dele aceitar o registro de nascimento que tenha como pai e mãe presumidos a pessoa com quem se tenha convivido à época da concepção. Mesmo que tenha sido uma relação eventual. Considero muito temerosa tal aceitação, já que relações eventuais não se pautam pela fidelidade.

Enfim, em que pese alguns benefícios, muitos são os defeitos de um e de outro projeto. Muitos são os riscos de bagunçarem o Judiciário com decisões conflitantes, inconstitucionais. Mas ainda assim confio na Justiça. E creio que caberá a ela, antes do Supremo, os “ajustes finais“ de qualquer destes estatutos que vier a se tornar lei.

De qualquer forma, não são nossas vagas especulações em redes sociais que determinarão a aprovação ou rejeição e o alcance destas normas. Mesmo porque, se há tanta controvérsia no âmbito jurídico especializado sobre estes documentos, quem somos nós, pra darmos aula em publicações facebooquianas sobre o tema?

Bom, os projetos estão em tramitação, cada qual numa casa do Congresso e em breve serão reunidos. Aí serão novas discussões, novas análises, novas votações.

Acompanhe a tramitação dos projetos, leia as discussões, pesquise no Google as controvérsias e formule suas próprias conclusões (se for capaz!).

Projeto de lei 6583/2013 – Estatuto da Família
O documento:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1159761&filename=PL+6583/2013
Tramitação:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=597005

Projeto de lei 470/2013 – Estatuto das Famílias
O documento:
http://www.senado.gov.br/atividade/Materia/getPDF.asp?t=140057&tp=1
Tramitação:
http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/115242


Muita luz pra todos nós!

"Entracação" nem sempre é a solução

Semana passada teve reunião de condomínio. Assembleia extraordinária para decidir sobre honorários periciais numa ação judicial que ajuizamos em 2013 contra uma construção no terreno ao fundo do nosso prédio. Quando vi chegar um vizinho que tem 6 unidades no edifício,  gelei. Empresário de sucesso, se diz ocupadíssimo e nunca participa de nada. Nas raras vezes em que aparece, vai contra tudo e todos e nunca fala nada com nada. Seu discurso se refere unicamente ao que lhe é interessante, desprezando sem pudor o interesse da coletividade. Sua presença é um risco, porque apesar de sermos 64 unidades, raramente aparecem 10 condôminos nas assembleias. Se ele sozinho é dono de 6, tem 6 votos e aí já viu o perigo, né?! E desta vez não foi diferente.

Ele: - Gostaria de registrar minha indignação por terem ajuizado a ação antes de me consultar. Gostaria de ter opinado sobre a inviabilidade da mesma e sobre os honorários do advogado.

Eu: - Oi?! Cuméquié? Na verdade...

O Síndico: - Adriana, faço questão de responder. Fulano, a decisão para o ajuizamento da ação foi tomada em assembleia para a qual todos foram convocados, bem como para a assembleia que discutiu o acatamento dos honorários do advogado à época. Você não compareceu porque não quis.

Ele: - Ah! Então não vi. Peço desculpas.

O Síndico começou a explicar a necessidade de acatarmos o pedido de perícia judicial requerido pela outra parte, bem como de contratarmos um perito assistente para acompanhar a perícia. Deixou claro que isso não garante o ganho de causa, mas que recusar a perícia é um risco e blá blá blá.

O tal vizinho: - Acho que já enfiamos dinheiro demais nesta ação e deveríamos parar por aqui.

Eu: - Oi?! Cuméquié? Você quer...

O Síndico: - Peraí, Adriana. Fulano, você não tem acompanhado as discussões, não participou das assembleias, não está por dentro dos prejuízos causados ao condomínio. De acordo, com laudo que fizemos à época, foram mais de 100 mil de danos materiais. Não cabe mais querer parar a ação. É totalmente incabível.

Ele: - É a minha opinião...

O Síndico continuou a tirar as dúvidas dos demais presentes. Na hora de votar, ele foi contra a perícia, mas perdeu, apesar de seus 6 votos. Ao todo éramos 8 a favor.

Tudo resolvido, tudo assinado, tudo acabado, lá vem o empresário bem sucedido, mas chato e tapado até onde não cabe mais, criar caso.

Ele: - Gostaria que registrasse o nome de todos os votantes na ata.

Eu: - Registramos as unidades e é o suficiente.

Ele: - É que vou questionar em juízo, porque inquilino não pode votar sobre este assunto.

Eu, engasgada: - Oncetaveno inquilino aqui???

O Síndico: - Não há inquilinos presentes. Todos os votantes são proprietários e residem nas unidades.

Ele: - E ela?

A moça para quem ele apontou: - Sou dona, moço.

Ele: - Ah, tá. Ok, então.

Eu já tinha virado as costas, fingindo me ocupar com alguma coisa, para não procurar briga com o dito cujo, mas não aguentei. Estufei o peito, dedo em riste,  soltei em alto e bom som:

- Vá pros inferno! Filho d...!!! Nunca participa de nada, só enche o saco. Não fala nada que presta, não agrega, não soma. Vai tomar  ...!!! Ordinário! Pega sua opinião e enfia sabe onde? Aí mesmo onde você pensou! Você não vale nada! Só pensa no seu umbigo, só enxerga seu umbigo! BABACA!!!

Pena que ele não viu nem ouviu nada, porque já tinha ido embora rsrsrs...

Mas reunião de condomínio é sempre assim, uma chateação. Tudo por nossa incapacidade de mediar conflito, de buscar uma solução para a coletividade, de deixar de lado nosso interesse particular.

E isso não se reflete apenas nas assembleias. O Judiciário está abarrotado de causas que poderiam ser resolvidas à base do bom senso, da conciliação, da boa vontade, do interesse no bem comum. A gente prefere que um estranho (o juiz) decida nossa vida, a abrir mão de alguma coisa para evitar o conflito. E depois ainda reclamamos que o juiz não foi justo. E aí fica como o meu vizinho chato, reclamando, falando abobrinha e eternamente recalcado.

Gente, se nós não mudarmos nossa postura diante da vida, diante da qualidade de vida que queremos para nós e nossa família, nunca haverá juiz justo ou Judiciário capaz de nos dar as decisões no prazo em que precisamos.

As Igrejas, as seitas, estão todas lotadas, mas cá fora, ao invés de exercitarmos o que aprendemos nelas, pelo contrário, alimentamos o conflito e não falamos noutra coisa que não seja a ameaça de que “Vô entracação!!! Vô pô na mão du divogadu!!!” E lá vai uma ação atrás da outra. E não há espaço suficiente no fórum para tantos processos.

Bom, fica a dica! Na grande maioria das vezes, quem abre mão de algo ou dá um passo atrás é quem mais ganha.


Muita luz para todos nós!

Compartilhar e curtir também é crime

Não há um só dia em que eu não me depare no Facebook com compartilhamento de notícias falsas. Num mesmo dia, quando comecei a escrever este texto, foram duas: a primeira, sobre um bebê que teria ficado cego por causa do flash da câmara fotográfica e a segunda, sobre fotos que mostram a retirada de uma larva imensa do olho de alguém, que seria protozoário de toxoplasma. Ambas facilmente identificadas como notícias falsas, por meio de uma rápida busca no Google. E mesmo alertando as pessoas sobre a falsidade das informações por elas divulgadas, nenhuma apagou o post ou sequer alertou o perfil de onde compartilhou a notícia. Como nem todo mundo lê comentários, mesmo estando claro que se trata de mentira, muitos desavisados continuarão a propagar as falsas publicações.

O compartilhamento nas redes sociais é a melhor de forma de não fazer nada, fingindo que faz. Claro que há honrosas exceções, mas a coisa passou dos limites. Você se consola divulgando pedidos de ajuda e promessas de cura e pouco se importa com a veracidade da situação, afinal, se é falso, você também foi vítima, pois acreditou naquilo.

Mas não é bem assim! Temos o dever de averiguar toda informação que divulgarmos e se não fizermos isso, corremos o risco de agir de maneira ilícita, juridicamente falando. Mesmo que nossa conduta não seja considerada crime, pode ser considerada ilícita, por causar prejuízo a alguém. E se assim for, seremos obrigados a reparar o mal que fizemos, mesmo que ele não tenha partido de nós, isto é, mesmo que tenhamos simplesmente replicado a informação, sem a devida cautela.

E há ainda um dano que considero pior: de tanto ler mentiras compartilhadas por gente sem bom senso, paramos de dar importância às publicações replicadas. Por consequência, aquilo que é sério e verdadeiro acaba passando desapercebido por nós

Eu sempre pesquiso antes de compartilhar publicações que não sejam dos sites de notícias nos quais confio. Você não faz isso? Melhor começar a se precaver. Quando considero a notícia importante e não conheço a fonte de onde ela partiu, faço uma pequena pesquisa. Se não consigo descobrir nada a respeito, não divulgo.

Em 2013, a Justiça de São Paulo condenou duas mulheres a indenizar um médico veterinário por terem compartilhado a falsa notícia de que ele não teria prestado atendimento adequado a uma cadela recebida para castração. Posteriormente, foi comprovado que a postagem era mentira. A Justiça entendeu que o compartilhamento denegriu ainda mais a imagem do profissional, condenando as acusadas ao pagamento de 20 mil reais, cada, pelos danos morais causados ao profissional

Também é comum este tipo de situação que estimula a violência. E muita gente tem a vida destruída pela divulgação de informações falsas ou exposição de sua privacidade. Quem causou tanto mal ou contribuiu para isso, responde judicialmente por sua atitude.

E o problema não se restringe ao compartilhamento. Quando nós curtimos algo, aumentamos o alcance da postagem, pois ela é divulgada no perfil de quem publicou e no de quem curtiu. Por isso, alguns juízes entendem que mesmo não compartilhando, quem apenas curtiu também é responsável pelo efeito danoso da publicação.

Pare e pense: aquele pedido de orações para uma criança deformada que você compartilhou, foi solicitado pelos pais dela? E, não tendo sido solicitado pelos pais, sabia que você está constrangendo o menor e seus familiares? Isto é crime!  E aquela foto que você compartilhou de um homem que estuprou uma menor? Foi retirada do site da polícia? Não? Então como você sabe que ele cometeu o crime ou se não se trata de uma vingança de alguém que quer denegrir o moço? Se ele não tiver sido julgado e condenado, a divulgação leva as pessoas a condena-lo moralmente. Se tiver havido um engano e não for ele o estuprador, você vai ficar sabendo? Conseguirá “limpar a barra” do acusado injustamente? Seu compartilhamento fez muito mal a alguém e você deve indenizá-lo por isso. E os vídeos pedindo ajuda para identificar e encontrar a pessoa que está cometendo um crime? Porque quem filmou já não fez isso? Você realmente acredita que quem filma não tem como tomar as providências adequadas? Não poderia então ter chamado a polícia imediatamente? Omissão também é crime. Enfim, não importa quantas pessoas compartilharam ou curtiram antes de você, seu grau de responsabilidade não será diminuído.

São tantos os exemplos que poderíamos dar de publicações que não devem ser compartilhadas, que não caberiam numa página. Elas se referem desde acusações de cometimento de ações criminosas até divulgação de fotos íntimas, passando por erros de profissionais e até receitas medicinais que podem fazer mal.

Fica a dica! Se ao compartilhar ou de qualquer forma divulgar notícias falsas ou expor a intimidade da pessoa, você causar prejuízo ou constrangimento a alguém, poderá ser obrigado a indenizar o ofendido em danos materiais e morais. Então, antes de compartilhar, pesquise. Se não tiver certeza de que não se trata de um trote, não divulgue. E se ainda assim, divulgar algo que depois souber ser falso, apague o post e comunique a pessoa de quem você compartilhou a publicação. Não se trata apenas de se preservar. Esta é a conduta ética que se espera de quem faz uso de redes sociais com boa-fé. E é a boa-fé que deve estar sempre presente em todas as nossas ações, sendo nossa principal arma de defesa moral e jurídica.

E hoje, quando finalizo o texto, vejo na TV a repercussão do caso da divulgação das fotos íntimas do ator Stênio Garcia e sua esposa. Lamentável!

Muita luz para todos nós!


Testamento vital

Imagine a situação em que um paciente terminal tenha uma parada cardíaca, é ressuscitado e a partir daí seja mantido vivo por aparelhos. Ou ainda alguém em estado vegetativo que precise ter um pé amputado por causa de uma necrose que coloca em risco sua vida, por uma infecção generalizada. Em nenhum dos casos o paciente terá condições de recuperar a saúde e sua morte é apenas uma questão de tempo. E de sofrimento. Os procedimentos realizados apenas irão prolongar por um pouco mais de tempo a vida deles, mas não irá impedir que morram, porque já se encontram desenganados pela Medicina.

Algumas pessoas preferem ser mantidas vivas, ainda que artificialmente. Outras, não. Muita gente gostaria de ter uma morte digna, confortável, sem prolongamento inútil.

O assunto é polêmico não apenas em nossas famílias, mas especialmente no Direito. Não há uma lei sobre o assunto e isso dificulta tudo.

A Constituição Federal protege a vida acima de tudo. E a dignidade da vida humana, acima do resto. Assim, enquanto houver possibilidade de vida, os médicos são obrigados a tentar restabelecê-la. Mas, e quando não houver mais dignidade na sobrevida do paciente? Neste caso, o Conselho Federal de Medicina autoriza o médico a fazer a vontade do paciente. Se ele disser que não quer realizar determinado procedimento ou receber determinado tratamento, sua vontade deve ser satisfeita. Neste caso, a Resolução do Conselho afasta a possibilidade do médico ser condenado por homicídio.

Mas, como um paciente vegetativo vai expor sua vontade e dizer que não quer receber o tratamento?

Em qualquer caso em que a pessoa não possa mais se manifestar, sendo irreversível tal condição, caso tenha deixado um documento dizendo que não deseja ser mantido vivo artificialmente ou que não deseja receber tratamento que irá apenas prolongar sua vida, seu desejo deve ser cumprido, ainda que a família não concorde.

É o chamado Testamento Vital ou Diretivas Antecipadas de Vontade.

A quem deseja deixar escrito sua recusa de tratamento, basta ser maior de 18 anos, estar saudável e em pleno gozo de suas faculdades mentais, plenamente consciente do ato, e redigir o documento. Mas diante da gravidade da escolha que se faz, aconselha-se consultar um ou dois médicos, bem como um advogado e discutir o assunto. Depois disso, convicto do que quer, escrever o texto. Outro conselho é registrar o documento num Cartório de Notas (por Escritura Pública), garantindo sua validade. Além de informar a recusa, pode-se ainda escolher uma pessoa e nomea-la como seu representante, para que tome todas as providências para fazer valer sua vontade, inclusive contra seus familiares. Não esqueça de dar notícia do documento a todas as pessoas que devam ter conhecimento dele, caso você perder a capacidade de se manifestar.

Mas atenção! Cuidados paliativos que visam dar qualidade de vida ao paciente, dando-lhe conforto em seus últimos dias, não podem ser recusados. Estamos nos referindo aqui exclusivamente a procedimentos que irão prolongar inutilmente a vida do paciente, ou seja, ele vai morrer de qualquer maneira.

Também não se trata de eutanásia, que é a indução à morte. No caso em questão, não há induzimento à morte. Ao contrário, trata-se de deixar que ela venha naturalmente, sem qualquer intervenção neste processo, nem para antecipá-la, nem para evitá-la. É a chamada ortotanásia.

Como já disse, o assunto é polêmico e há possibilidade dos familiares ou do Ministério Público contestarem judicialmente sua vontade. Não há garantias de que seu desejo seja cumprido pelo juiz. Mas já há decisões favoráveis em alguns estados, especialmente em segunda instância (grau de recurso), e isso é bastante consolador.

Nossa! Assunto pesado esse, né?! Mas está aí. Agora você já sabe de um direito que um dia, quem sabe, pode ajudar a você ou alguém que você ama.

E fica desde já registrado que por mais que eu adore a vida, por mais que eu ame estar viva, em hipótese alguma desejo ter minha vida prolongada quando a situação de morte não puder ser revertida. E que seja doado tudo que se puder aproveitar, desde o dedinho do pé até o último fio de cabelo. Pronto, falei!


Muita luz para todos nós!

Terreiro de audiência

Segue abaixo o que passei numa comarca próxima a Belo Horizonte, há alguns anos, só para você saber um pouquinho daquilo que enfrentamos no dia a dia da profissão. É cliente mentiroso, é colega sacana, é juiz preguiçoso, é assessor pretensioso, é funcionário mal preparado, é nossa própria limitação intelectual e até orixá tá na parada rsrsrs

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Enquanto eu tentava esconder meus pés embaixo das cadeiras, um homem alto, barrigudo, mal vestido, entrava e saía da sala de audiências apregoando as partes. Escondia meus pés com medo de observarem que eu não estava usando salto. Não estou dando conta. Inflamação no calcanhar, calos ósseos, cansaço, sobrepeso foram itens responsáveis pela decisão de trocar os sapatos fechados e os saltos por um chinelo ortopédico, meio salto, confortabilíssimo. Mas horroroso!

E lá estava eu, escondendo os pés e vendo o entra e sai da figura. Camisa pólo vermelha desbotada e desbeiçada, que ao cobrir a barrigona, parecia saia. Calça larga cáqui de brim vagabundo, de elástico e cadarço de amarração na cintura e tênis preto. Barba grande, branca como o bigode. E no pescoço vários daqueles colares chamados guias de Orixás.

A audiência designada para as 16:30 horas teve início às 18 horas. Pauta: divórcio com pedido de alimentos para 2 filhos menores e partilha de bens. Situação: peticionado acordo firmado entre as partes, ainda não analisado pelo juiz.

E por falar em juiz... Cadê ele? Bom, quem sentou na cadeira do juiz foi o dito cujo de tênis e mal vestido que apregoava as audiências. Ok. Passei a tratá-lo por excelência.

E começa a Excelência a questionar porque as partes não vendiam o imóvel, ao invés de insistirem em morar no mesmo lote, ainda que em residências separadas. Argumentamos que são várias moradias e lojas, com renda mensal necessária à manutenção das partes e que não havia interesse do casal em se desfazer do bem. Insistiu o Meritíssimo, que o bem deveria ser vendido e o dinheiro partilhado, porque sua experiência de 40 anos de estrada lhe dizia que amanhã o marido arrumaria uma amante e a esposa um namorado, o que levaria um a querer matar o outro.

Diálogo que se seguiu entre a advogada de chinelinho feio e o juiz de camisa desbeiçada:

- Mas, Excelência, não há conflito entre o casal.

- Mas amanhã ele mete 3 tiros nela.

- Excelência, pra dar tiro, pode um morar no Japão e outro na China, que irão se matar, não necessariamente porque moram no mesmo lote...

- Então temos aqui uma vidente futuróloga, mas vidente eu também sou e sou muito mais eu, porque sou pai de santo.

E beijou uma das guias que trazia no pescoço. Pra tentar levar na brincadeira situação tão ridícula, brinquei:

- Ah, então o senhor ganhou de mim, porque eu não sou médium.

Ele me ignorou completamente e mandou chamar o promotor. Enquanto este não vinha, o juiz se contorcia na cadeira tentando convencer minha cliente a vender o bem, proposta insistemente recusada por ela. Chega o representante do Ministério Público e propõe, politicamente, uma redesignação de audiência.

De repente, aquele a quem eu me dirigia como Excelência, nítidamente contrariado pelas repetidas recusas de minha cliente e pela falta de apoio do promotor, começou ditar a sentença colocando fim no processo, considerando pedido juridicamente impossível a partilha de imóvel indivisível.

Pasmei! Pensei que não estivesse entendendo direito. Olhei pro advogado da outra parte e perguntei: "Ela tá extinguindo o feito?" O colega espalma a mão pro meu lado, num claro pedido para que eu me acalmasse e mexe os lábios parecendo dizer "Vamos apelar.".

Mas ora, o pedido era de: divórcio, ok, partes de acordo; alimentos pros filhos menores, ok, provisórios já definidos e parte contrária já pagando; partilha de bens, também já convencionada entre os cônjuges. Poderia decretar o divórcio, converter os alimentos em definitivos e negar a partilha. Não! Extinguiu o feito. Deu fim ao processo, prejudicando os interesses de minha cliente, já que neste caso nem os alimentos seriam mais devidos.

Fiz menção de dizer nem lembro mais o quê e o outro advogado mais uma vez espalma a mão pra mim. Mas não dava pra engolir. Virei pra minha cliente, apontei pro juiz e disse: "Você tá entendendo o que ele tá fazendo contigo? Tá negando seu divórcio e nem pensão seu marido deve mais pros filhos, o que significa que se ele parar de pagar, não poderemos cobrar... Só porque você não quer se desfazer do imóvel."

E o outro advogado enquanto continuava me pedindo calma com gestos, fala com o Meritíssimo:

- Pela ordem, Excelência, o senhor não pode homologar o acordo referente ao divórcio e aos alimentos?

E o Pai de Santo:

- Eu não fraciono processo.

Congelei. Só lembro da minha boca aberta olhando pro colega à minha frente, que continuava me pedindo tranquilidade com a mão espalmada na minha direção, balbuciando "Vamos apelar! Temos que apelar!"

A Oficial que auxiliava o juiz, como de praxe, nos entrega cópia da ata da audiência, com a sentença, pedindo que lêssemos para ver se estava tudo ok, no que o Filho de Xangô puxa os papéis de nossas mãos, dizendo: "Não precisa ler. Eu não mudo Sentença." Levantou e foi para o reservado do Gabinete.

Os anos se passaram e sempre que me lembro do que passei neste dia fico pasma. A aparência daquele homem, os símbolos religiosos na sala de audiência, a arrogante petulância, tudo parecia um circo dos horrores. E ainda agradeço ao colega, advogado da outra parte, que, pedindo que eu não me exaltasse, muito provavelmente me livrou de uma prisão e processo por desacato. E ainda fico indignada ao lembrar do promotorzinho de cabeça baixa, fingindo que não via o que estava acontecendo.

Definitivamente, aquilo não foi uma audiência. Foi um ritual de magia negra. Xangô brincando de juiz, que ao ser contrariado sacrificou a galinha preta, no caso, minha cliente.

E pra quem tá se perguntando, não, não reclamei na Corregedoria, porque isso prejudicaria todos os meus clientes cujos processos fossem distribuídos para aquele Terreiro, e os honorários que me pagam, não custeia agravos e mais agravos, além de apelações sem sentido.


Muita luz e axé para todos nós!

Democracia, política e votos

Este ano o país tem eleição municipal, isto é, serão eleitos Prefeitos e Vereadores para os municípios brasileiros. São muitas regras para candidatura, campanha, eleição, posse e exercício de mandato. Vou tentar clarear alguns pontos. O mínimo que se precisa saber para um voto consciente.

- Driana, ma esse trem é muito chato, essas cunversa de política dá canseira dimais.

Também acho (rsrsrss), mas considero necessário para não sermos enganados. Talvez nem seja necessário saber tudo isso para dar o voto a um excelente candidato. Mas é muito importante para não sermos enganados pelos maus candidatos. Talvez a gente não consiga perceber uma dissimulação em alguém que pretende se eleger. Porém, quando ele disser uma bobagem, algo vai te incomodar, porque um dia você leu um pouco sobre democracia, política, voto... Talvez você não consiga nem identificar qual bobagem ele disse, mas vai ficar com pé atrás.

Informação nunca é demais!

As eleições são procedimentos necessários em qualquer sistema democrático. É a principal forma de exercício de poder pelo povo, exercício de cidadania. Como não podemos, cada cidadão, tomar diretamente as decisões para administração da cidade, do estado e do país, nem temos como diretamente fazer as leis, precisamos eleger quem faça isso por nós. Por isso, se diz que vivemos numa democracia representativa. Democracia direta, ou seja, nós mesmos tomarmos as decisões, só é possível em casos de plebiscito (leis), referendo (administração) ou pela apresentação de projetos de lei de iniciativa popular.

Eleição, democracia, poder popular não existem sem política. E política não é esse trem horroroso que pintam por aí. Mesmo numa democracia representativa, o exercício do poder é complicado. Um político detém voto de milhares, em alguns casos, de milhões, de eleitores. Como considerar as diferentes vontades das pessoas, dos grupos, das comunidades? Como fazer prevalecer uma decisão, entre tantas opiniões diferentes? Convencendo, negociando. Isto é política. Isto é fazer política: a negociação para compatibilização dos diferentes interesses. E a política é feita por todos nós, cidadãos eleitores e cidadãos eleitos. Ou seja, todos participamos do processo de tomada de decisões que levam as autoridades a formularem as ações de Governo, as chamadas políticas públicas, e as ações legislativas, as leis.

Sinceramente, nunca respondo comentário do tipo “política é um trem podre”. Ou “político nenhum presta”. Quem fala este tipo de coisa, não conhece nada sobre coisa nenhuma. Quem faz comentários assim, não tá a fim de querer saber nada, não ta a fim de aprender nada. Porque se você voltar os olhos para dentro de sua própria casa, comparar seu lar a uma cidade, vai aprender muito sobre democracia e jogos políticos. Basta isso!

Apenas nas ditaduras, nos sistemas autoritaristas, onde não há democracia, onde a vontade do povo não vale nada, é que se consegue conduzir a vida das pessoas sem fazer política. Afinal, só vale mesmo a opinião de um só, do ditador. Se vamos dar poder a alguém para que decida por nós, precisamos saber bem o que estamos fazendo. Por isso, num sistema democrático, informação é fundamental. Sem informação não há voto consciente. Informação sobre o processo eleitoral, sobre o candidato e sobre o poder que estamos delegando a ele.

Esta delegação de poder é o voto e um candidato somente se elege com votos válidos. Votos brancos (representam conformismo; botão branco na urna) e votos nulos (representam protesto; digitação de um número inexistente) não interferem nas eleições, a não ser por diminuírem o total de votos válidos, elegendo candidatos com poucos votos.

Os chefes do Poder Executivo (Prefeito, Governador, Presidente) e os Senadores são eleitos por maioria de votos: metade do total de votos válidos +1. Os membros do Legislativo (vereadores, deputados estaduais, distritais e federais) são eleitos pelo sistema proporcional. Não vou demonstrar aqui o cálculo que chega à media, usando os quocientes partidários e eleitorais, para determinar como são definidos os candidatos vitoriosos por partido. É muito chato! Mas basta que você saiba, que quanto mais votos receber o partido do candidato, mais as chances dele se eleger. O candidato pode receber um total de votos maior que muitos outros, mas se seu partido tiver ao todo poucos votos, o candidato não se elegerá. Temos casos de determinada cidade em que um candidato a deputado estadual obteve 41 mil votos. Outro candidato, de outro partido, obteve 39 mil votos. Este foi eleito, o primeiro, não. Tudo em razão da diferença de votos obtidos entre seus partidos.

E por falar nisso, acompanhe meu raciocínio. Trinta e nove mil votos. É gente demais da conta. E você é um deles. E por causa disso, num determinado momento precisa procurar o político e reivindicar algo. Mas... Será que político tem que atender os eleitores e acatar cada uma de suas reivindicações. Se você respondeu “sim”, largue agora esse texto e vá comer algo! Só pode ser fome, essa falta de raciocínio! Não acredito que você pense que alguém consiga lidar com 39 mil eleitores, um por um; com reivindicações oriundas desse tanto de gente. Já ouviu falar em lideranças? Antigamente a gente chamava de cabo eleitoral. Mas não é um termo justo. São na verdade, lideranças.

Mas outro dia falarei sobre isso.

Semana que vem escreverei sobre prefeito e vereador.


Muita luz para todos nós!


Alienação parental

Alienação parental é um assunto da maior gravidade e deve ser tratado com a seriedade que o tema requer, em razão do prejuízo emocional que acarreta nos filhos, comprometendo seu equilíbrio psíquico e afetivo.

Quando um dos pais exerce uma lavagem cerebral nos filhos, uma doutrinação, criando nele um repúdio pelo outro genitor, sem que tal repúdio demonstre ter motivo aparente, a isto se chama alienação parental, ou seja, a destruição do vínculo emocional e afetivo pro meio do afastamento da criança ou adolescente daquele familiar. É a situação, seja por palavras, por atos ou por ambos, em que um dos genitores denigre, destrói o respeito e o afeto dos filhos pelo outro genitor, muitas vezes de forma velada, dissimulada.

É um processo de desmoralização e descrédito do parceiro, motivado pela sede de vingança de alguém rejeitado ou que de qualquer forma não consegue lidar com o fim da vida conjugal, não consegue lidar com seus próprios sentimentos advindos do término da relação.

E isso acontece pelo menos desde a década de 40. Mas é estudado apenas desde os anos 80 e demonstra que a tentativa de afastar os filhos de um dos pais, não alcança apenas a figura do genitor, mas também a família e amigos dele. No Brasil, somente em 2010, foi regulamentada a questão, por meio de uma lei que pune o alienante com algumas sanções, entre elas, a perda da guarda dos filhos, além de definir com mais clareza quais condutas são alienantes e estendendo as punições a qualquer pessoa que detenha a guarda da criança ou adolescente e que haja de maneira alienante.

De acordo com a lei brasileira (12.318/2010), “alienação parental é a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.

E como isso acontece? A lei dá alguns exemplos: insistindo em demonstrações e histórias que dizem que o genitor não é bom pai ou boa mãe, contradizendo o outro, dificultando o exercício do autoridade parental, impedindo que se falem ao telefone, dificultando ou impedindo as visitas, não repassando ao genitor dados sobre a vida da criança, como dados escolares, médicos e alteração de endereço, falando mal do genitor, da família ou amigos dele, dificultando a convivência entre eles e mudando de residência para local distante, sem justificativa. Mas não é só isso. No caso a caso, outras condutas podem levar o juiz a acreditar na tentativa de alienação e assim aplicar a devida punição. Um exemplo comum é quando um dos genitores pune a criança que demonstra interesse em visitar o outro ou, ao invés de punir, oferecer recompensa quando o filho se recusa a permanecer com o pai ou a mãe. Enfim, o ser humano é ardiloso e são infinitas as possibilidades pelas quais isto pode acontecer.

Psicologicamente, o efeito da alienação parental são distúrbios carregados por uma vida inteira. Pânico, agressividade, explosões emocionais, mentiras, desconfiança e muitos outros sentimentos negativos e atitudes que atrapalham a criança e o adolescente na escola, na vida social com os amiguinhos e, claro, na família. Estudos, inclusive, mostram que há grandes chances da vítima da alienação desenvolver o alcoolismo. Também pode acontecer das lembranças da infância, que deveriam ser prazerosas, trazerem certa confusão mental.

Bom, o Conselho Tutelar, o Juizado da Infância e Juventude ou as varas de Família podem ser buscadas para denúncia de alienação parental. O Conselho pode orientar a família e acompanhá-la, mas só os juízes podem punir, não sem antes determinar medidas que serão cumpridas por peritos judiciais, especialmente, psicólogos.

Identificada uma situação que configure tentativa de afastar o filho do outro genitor, o juiz pode advertir o pai ou mãe que fez isso, pode exigir que os filhos convivam mais com o genitor prejudicado, aplicar multa, determinar acompanhamento e visitas de psicólogos, transformar a guarda em compartilhada e até, em último caso, retirar o poder familiar de um dos pais, transferindo a guarda para o genitor que se pretendia afastar.  A ideia é orientar, educar antes de punir, afinal, ambiente de conflito é sempre muito prejudicial para o desenvolvimento da criança e do adolescente. O que seu busca é a efetivação do princípio constitucional que informa ser direito fundamental do menor possuir uma convivência familiar saudável, onde possa se desenvolver plenamente.

Na prática, observa-se que na maioria dos casos é a mãe quem comete a alienação parental e verifica-se também que há certo rigor na aplicação das punições. Mas para tanto, é necessária a indicação de provas ou ao menos de indícios fortes para que o juiz possa determinar a perícia. Toda prova é válida: gravações telefônicas, relatos de familiares, bilhetes e tudo que possa indicar a intenção de afastamento dos parentes. Mas atenção: o Judiciário não leva em consideração a alegação das mágoas relativas a dívidas de alimentos, de traições, de ausências ou outros acontecimentos negativos na vida do casal, que possam justificar as atitudes alienantes, simplesmente porque as crianças estão acima disto, a felicidade e o desenvolvimento psíquico delas deve ser protegido a qualquer custo. Sua única possibilidade de justificar a tentativa de afastamento dos filhos do outro genitor é comprovar com provas robustas que a convivência com ele ou ela coloca em risco a integridade da criança ou adolescente. Como é o caso de quem faz uso de drogas ou álcool na frente dos filhos ou quando a criança volta machucada sem explicação das visitas, dentre outros. E ainda assim, procure sempre ter laudos médicos e testemunhas, levando o caso antes ao Conselho Tutelar ou pedindo ao juiz que determine um estudo psicossocial sobre a convivência da criança com o genitor que se pretende afastar. Ainda assim, será mais fácil o juiz exigir o tratamento daquele que maltrata, que o afastamento definitivo dos filhos.

A recente alteração legislativa que determina a prioridade da guarda compartilhada, obrigando os filhos conviverem com ambos os genitores, que participam igualmente das decisões sobre prole, independente dos rancores havidos na relação conjugal, é uma tentativa de diminuir as possibilidades de ocorrência da alienação parental.

Mas há um outro lado. Infelizmente, não são poucos pais que se afastam, cedendo à alienação, por conveniência. Para estes há a possibilidade de indenização por dano moral afetivo, ou seja, reparação financeira pelo abandono afetivo dos filhos. Mas o assunto é polêmico e falaremos dele em outro texto.

É isto! A gente sabe o quanto pode machucar ser obrigado aceitar que um devedor de pensão continue visitando o filho, o quanto dói ver um filho idolatrando quem te traiu ou que nunca foi presente na vida da família. Mas pense que dói muito mais ver seu filho crescer e se tornar uma pessoa desequilibrada, dependente, violenta, incapaz de lidar com os próprios sentimentos. Foi você quem escolheu o pai ou mãe de seus filhos, não transfira a eles o peso de seu erro, de seu rancor ou de seu recalque.

Beijinho no ombro e muita luz para todos nós!


Agradecimentos especiais a Dani Melote, pela sugestão do tema.