Em Julho/2010, o apresentador de
televisão José Luiz Datena, ao noticiar um crime bárbaro, comentou que aquilo
só poderia ter sido cometido por quem não tem Deus no coração. E completou: “Um
sujeito que é ateu não tem limites. É por isso que a gente vê esses crimes aí”.
Indignada com tal comentário a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos –
ATEA procedeu à uma representação no Ministério Público Federal, que ajuizou
ação civil pública contra o jornalista e a emissora. A ação foi julgada
procedente e o canal de televisão foi obrigado a exibir uma campanha sobre
liberdade religiosa. A mesma ATEA ajuizou e ganhou ação cível com pedido de
indenização por danos morais contra Datena.
Determinadas coisas têm que ser assim:
bateu, levou! Não tem que espernear, não tem que discursar, não tem que compartilhar
em rede social, nem difamar. Tem que agir. A ATEA agiu em defesa dos ateus. E
só conseguiu, porque muitas pessoas que não creem em Deus, se associaram a ela
e ajudam a mantê-la financeiramente. Não fosse isso, esta entidade não teria
estrutura para agir em defesa daquilo que acredita.
O que sua Igreja faz quando você é
vítima de intolerância religiosa? Assim como você, enquanto membro, representa
a sua Igreja, ela também te representa e deve te defender em todos os aspectos,
te protegendo da violência que venha a sofrer em função da religião que
professa. Se ela não faz isso e você se vê sozinho na tentativa de fazer
justiça na proteção de sua convicção religiosa, algo está errado. Passa-se uma
vida inteira exercendo uma religião e não se aprende na Igreja ou na Seita ou
no Terreiro como agir na defesa dela e de si mesmo.
Mas o Direito ensina. E hoje vamos
aprender a diferenciar o que é crime e o que não é. O que é crítica, o que é
preconceito, o que é intolerância e o que é discriminação.
Sabe aquela frase propagada no
Facebook de que “sou responsável pelo que eu digo e não pelo que você
interpreta”? É isso. Não é o que você sente que vai determinar juridicamente a
conduta do outro, mas sim a intenção dele e o resultado dela. Se a conduta do
outro for ilícita, aí sim o que você sentiu em razão dela vai mensurar, medir,
seu direito à indenização moral. E isso é pra tudo, não apenas para
intolerância religiosa.
Quando alguém diz o que pensa,
trata-se de uma crítica. A liberdade de opinião e de expressão é um direito
constitucional. Temos o direito de exteriorizar nossa opinião, o que pensamos
sobre algo. Se alguém se ofende com a opinião do outro é excesso de
sensibilidade e isso se resolve com terapia. Só lamento!
Se, ao expressar uma opinião, usa-se
um linguajar e uma postura agressiva desmerecendo a pessoa com apelidos e
brincadeiras constrangedoras, denegrindo alguém ou um grupo de pessoas,
trata-se de uma ofensa. Ofensa é injúria. Injúria é crime e isso se resolve no
Judiciário.
Expressar a opinião demonstrando
desconhecimento de todos os aspectos da questão e desprezando o lado bom da
situação, ressaltando apenas os aspectos negativos, é preconceito. Preconceito
não é crime. Lição de moral? Terapia? Você escolhe como lidar com isso.
Se houver ação agressiva verbal ou
física na exteriorização do preconceito, isso é intolerância. Se houve
impedimento ou negativa de exercício de direito sem fundamento legal, isso é
discriminação. Intolerância e discriminação são crimes. Crimes são resolvidos
no Judiciário.
No cometimento de injúria,
intolerância ou discriminação, além da ação criminal, o tamanho da ofensa
sentida pela vítima pode ajudar a determinar o valor da indenização por danos
morais (ação cível), conforme o caso.
Mas atenção: o contexto determina a
natureza da ação. Se o pastor chutar a santa em canal de televisão, sem controle
do público que assiste, trata-se de ação de intolerância e, portanto, crime.
Mas se o pastor estiver na Igreja, numa pregação para os membros daquela
determinada religião, demonstrando que uma imagem é só um pouco de barro, não
há intolerância ali. Se a empresa se recusa a contratar um cadeirante como
digitador, alegando que a deficiência é incompatível com o exercício da função,
trata-se de crime de discriminação. Mas se a empresa se recusa a contratar o
cadeirante como mensageiro, sob o mesmo argumento, não está cometendo crime
algum. É o contexto que esclarece a intenção e a ação.
Bom, além de terapia, lição de moral e
processos judiciais outras ações podem e devem ser desenvolvidas a título
pedagógico. Ações jurídicas vão punir e reparar o dano, mas só ações sociais
vão educar. Não adianta fazer uma só coisa.
Ainda que a injúria possa ter um cunho
estritamente pessoal, em alguns casos, ela também pode ser, assim como a
intolerância e a discriminação, um crime ideológico. Isto é, ainda que
dirigidos a uma pessoa, estas condutas agridem, atingem o grupo, os iguais. Por
isso, não é justo você brigar sozinho contra uma ação que ataca de forma
generalizada a todos os seus iguais. Ainda que a indenização seja devida à
vítima, pelas consequências que sofreu em razão do ato ilícito (ação cível),
cabe também uma ação criminal, de interesse a todo o grupo de pessoas do qual
ela faz parte. O mal foi causado a Fulano, mas atinge a todos em condições
iguais à dele.
E o que a gente mais vê é Fulano
cobrando na Justiça a indenização, mas se recusando a dar andamento à ação
criminal. E nem cogita participar ou promover alguma campanha sobre o assunto. Tipo:
“o importante é o dinheiro que vou receber pelo que ele fez; não importa se
voltará a fazer com mais alguém, não vou fazê-lo pagar pelo crime, porque
processo judicial dá muito trabalho; só quero receber meu dinheiro e dar
andamento na minha vida”. Acho contraditório. Porém, tudo bem, é direito seu.
Mas não é justo!
Bom, depois de tudo isso que contei,
espero que você tenha alertado para o fato que nem tudo que lhe ofende é
conduta ilícita; que toda conduta ilícita exige indenização definida com base
no tamanho da ofensa causada. E espero principalmente alertar que,
juridicamente, somos mais fortes enquanto grupo, enquanto associação, enquanto
comunidade. Precisamos nos unir, de acordo com as causas e ideais que
defendemos, para fortalecer nossos projetos e garantir o máximo de efetividade
a nossos objetivos. Ações isoladas raramente alcançam a repercussão necessária
para mudança de parâmetros.
É a união que faz a força!
Muita luz para todos nós!
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