Linda,
linda, linda! Tinha 65 anos, mas aparentava uns 50. Mas 50 muitíssimo bem
conservada. Passou a vida dedicada à família, sendo traída e maltratada pelo
marido. Era humilhada e quando passou a ser agredida verbalmente pelas amantes
(sim, não era apenas uma) do esposo, decidiu se separar. Já contava quase 60
anos quando compreendeu que, com os filhos adultos, não tinha mais que tolerar
aquilo. Ele não aceitou o divórcio. Foi uma briga tremenda! Ela não tinha
nenhuma qualificação para o mercado de trabalho, não tinha como se sustentar e
o marido negava o pensionamento. Quando o juiz decretou o divórcio, determinou
a pensão dela no patamar de 25% dos rendimentos líquidos dele, servidor estadual.
Fiquei acertado que ela continuaria no imóvel que era de ambos, uma casa velha,
precisando de muitos reparos, mas muito bem localizada. A pensão equivalia a um
salário mínimo da época. Pouco, claro, especialmente para quem desenvolveu um
monte de doenças de fundo psiquiátrico, em razão da vida inteira de sofrimento.
Mas tava bão! Não tinha problema diminuir o padrão. O mais importante era ter
sossego e poder comprar os remédios que não conseguia no posto.
Mas ela
não teve sossego! Ele ficava na esquina da casa com as “amigas” insultando-a. E
quando entrava em casa com a desculpa de visitar os filhos, era sempre muito
desagradável e ríspido. Ameaçava vender a casa, sabendo que ela não teria para
onde ir, e fazia de tudo para continuar desestabilizando-a emocionalmente.
Quase 5
anos se passaram e ela recebeu uma intimação. O ex-marido pedia a redução do
pensionamento para 17,5% de seus rendimentos líquidos, alegando que problemas
de saúde elevaram seus gastos e, por consequência, estava com dificuldades em
manter a pensão anteriormente fixada. Na audiência de Instrução e Julgamento,
numa cara de pau sem tamanho, o juiz sugeriu que ela voltasse a trabalhar.
Fiquei indignada!
- O
senhor esta sugerindo que me cliente volte para o mercado de trabalho aos 65
anos?!
Ele:
- É uma
senhora de excelente apresentação, forte...
Interrompi,
sem a cerimônia de praxe:
- Não é
forte, não, Excelência! É cheia de sequela psiquiátrica de uma vida inteira de
abusos!
Não
adiantou. O pensionamento foi reduzido conforme solicitado pelo ex-marido,
agora farto de documentos que comprovavam que sua saúde realmente piorou, o que
elevou seus gastos. Minha cliente passou a receber 17,5% dos rendimentos
líquidos dele, o que equivalia a menos da metade de um salário mínimo.
Confesso
que tive muita vergonha por não ter conseguido impedir essa decisão. Como
informar a uma idosa que ela agora deve pedir ajuda aos filhos e/ou passar a
vender cosméticos de porta em porta para sobreviver?
Enfim,
a vida é cruel. E o Direito tem o papel de equilibrar as coisas. Ao menos,
deveria ter. Mas quando você passa uma vida inteira esquecendo de si mesma, se
anulando, deixando a vida passar sem vive-la, difícil recuperar com plenitude a
dignidade por tanto tempo perdida. O Direito nem sempre consegue fazer justiça.
E muitas vezes o injustiçado tem também sua parcela de culpa.
Assim é
com a mulher que vive exclusivamente em função da família; com o trabalhador
que abre mão de ter a carteira assinada; com o empresário que não paga sua
previdência; com o jovem que não valoriza os estudos. Cedo ou tarde a vida
ensina e cobra. E normalmente é no seu pior momento.
E aí
querem com o advogado faça milagres. E com desconto nos honorários rsrsrs
É
impossível proteger o direito de alguém que não se resguardou. O Direito não
socorre a quem dorme. Ainda que se consiga diminuir o prejuízo, este sempre
ocorre.
Bom,
fica a dica: não tem juiz que proteja quem nunca se resguardou; não há direito
que resguarde quem nunca se valorizou; não se encontra valor algum em quem vive
à margem de si mesmo.
Muita luz para todos nós!
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