Maus tratos a animais de estimação

No início de janeiro/2016, no bairro Alípio de Melo em Belo Horizonte/MG, a Polícia Militar foi acionada para resgatar um cão preso dentro do porta malas de um carro, próximo a um shopping popular. A inquietude do animal acionou o alarme do veículo por várias vezes e, curiosos, pessoas se aproximaram para ver o que ocorria e escutaram o cão latindo. Entre o acionamento da PM, as tentativas sem sucesso de arrombamento do veículo e a chega da dona que finalmente libertou o animal, passou mais de uma hora.

Ao ser enfim resgatado, o cachorro da raça Shitzu não conseguia ficar de pé, tal seu estado de esgotamento físico. Sequer conseguia beber a água oferecida pelos militares. O animal foi por eles encaminhado para uma clínica veterinária e a Polícia Civil estava aguardando o boletim de ocorrência para as providências de praxe: investigação, inquérito e encaminhamento ao Ministério Público para propositura da ação penal contra a dona do animal.

Sim, deixar o animal nestas condições é crime, mas a punição ainda é branda. Como está previsto um máximo de 2 anos de cadeia, pode ser feita uma transação penal com o Ministério Público e a pena pode ser convertida numa multinha qualquer, uma palestra sobre crueldade com animais e/ou prestação de serviços comunitários.

Acho pouco. Muito pouco. Na verdade, a legislação que penaliza determinadas condutas como crime de maus tratos foi um grande avanço, pois no Direito, o animal de estimação, assim como o gado, por exemplo, não passa de mero objeto, como um vaso, um móvel, no máximo como um item de fauna do meio ambiente. Assim, o que se protege é o direito de seu proprietário, ou no âmbito do meio ambiente, a sociedade. Está em andamento no Congresso Nacional um projeto de lei que aumenta a pena máxima de 2 para 4 anos. Mas queremos mais, queremos que o animal seja reconhecido como um ser senciente (que tem sentimentos, que sofre, sendo medo, se alegra, sente dor, prazer, etc) e como tal seja sujeito de direito e protegido na medida certa pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Enquanto isso não acontece, precisamos agir. Não podemos ficar inertes diante de tantas situações que presenciamos. Animais agredidos, torturados, abandonados, maltratados de todas as formas possíveis (e impossíveis!) de se imaginar. E seres humanos inertes, omissos, coniventes.

As pessoas são capazes de tirar foto de um animal doente ou machucado na rua e postar no Facebook pedindo que outro alguém, qualquer outro alguém, vá acudi-lo. São capazes de ver um carro jogar um cão pela janela e depois contar no Facebook o quanto chorou por causa disso. Mas não parou para proteger o bicho, nem anotou a placa do carro ou o endereço onde isso aconteceu para que alguém pudesse localizar o cão. Têm a capacidade de negar cuidado veterinário ao animal ou, se o fazem, abandonam o bicho na clínica junto com a conta a pagar. Enfim, é o ser humano e sua incrível incapacidade de ser humano.

Para cumprirmos nosso DEVER de contribuir para evolução nas leis, devemos denunciar todo e qualquer caso de maus tratos. Para tanto, precisamos de provas que respondam as seguintes perguntas: O que aconteceu? Quem fez? Como fez? Onde fez? Sem o objeto do crime (bicho maltratado), sem a autoria do crime (quem maltratou) e sem o local onde um ou outro possam ser encontrados e onde possam ser colhidas outras provas, não tem como levar nada adiante para uma punição efetiva. Na maioria das vezes não temos tais provas, mas temos elementos e informações suficientes para que o polícia as consiga. Um endereço, um apelido, uma foto, um vídeo, uma testemunha, um respingo de sangue, muita coisa pode ser utilizada. Você só precisa ser observador e não perder de vista a necessidade de coletar informações, para proceder à denúncia.

Assim, ao se deparar com qualquer situação de maus tratos ou animal em risco, a primeira preocupação deve ser acudir o pobrezinho. Se, fazendo isso, você conseguir observar tudo que for necessário para identificar o que falei no parágrafo anterior, faça. Somente depois de fazer isso, é que você deve/pode pensar em divulgar nas redes sociais, seja para pedir ajuda para tratamento, para doação, para encontrar quem fez ou apenas para ganhar curtidas. Vou repetir: SOMENTE APÓS ACUDIR O BICHO OU RETIRA-LO DA SITUAÇÃO DE RISCO E DE COLHER TODAS AS INFORMAÇÕES QUE CONSEGUIR PARA PROCEDER À DENÚNCIA É QUE VOCÊ DEVE COGITAR PEDIR AJUDA NAS REDES SOCIAIS.

Para denunciar, ligue para a delegacia de Meio Ambiente da sua cidade. Se não houver, ligue para o 190 da Polícia Militar. E não acaba aí. Acompanhe o caso. Se não, será só mais um. Acompanhe! Converse com os investigadores, com o delegado, com o promotor, ou peça alguém que faça isso por você. Uma ONG de proteção pode indicar alguém. Não se omita em nenhum dos procedimentos necessários para a punição de quem fez mal ao animal.

Gosto muito lembrar um caso de Belo Horizonte, que teve repercussão nacional, há aproximadamente 8 anos e cujo vídeo é facilmente encontrado na internet.

O casal fazia sua caminhada rotineira na Lagoa da Pampulha, quando ouviram miadinho de filhote de gato. Apurando o ouvido e a visão, perceberam que o barulho vinha de um saco de lixo jogado na lagoa. Imediatamente pensaram na crueldade de quem foi capaz de amarrar um filhote de gato num saco de lixo e jogá-lo na água para morrer afogado e começaram a tentar resgatar o saco. Precisaram pedir ajuda ao funcionário de uma residência próxima, que arrumou uma vara e conseguiram puxar o volume para a beira do barranco. E enquanto um deles filmava a cena, o outro abria o saco de lixo com exclamações de assombro ao perceber que não era gato, era um bebê. Uma menininha que chorava amarrada num saco para morrer afogada no meio da Lagoa da Pampulha e que só foi salva, porque alguém teve pena de deixar um “filhote de gato” morrer afogado. Não fosse alguém que se sensibiliza por um animal, a vida humana não teria sido salva.

Então, tendo este caso como exemplo, você não precisa gostar de bicho. O que você precisa é proteger a vida, seja qual vida for, em especial, muito em especial, quando se tratar de um ser indefeso, desprotegido, sem voz e sem força para pedir ajuda. NINGUÉM PODE SE OMITIR.

Em qualquer esfera do Direito, nunca haverá mudança na legislação se a sociedade não demonstrar a necessidade desta mudança. E sem denúncia, sem estatística, sem cobrança, sem ação, fica impossível requerer a adequação da norma jurídica à realidade que vivenciamos.

Muita luz para todos nós! De preferência, com muitos miaus e au-aus à nossa volta.

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